Condenados

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Podia sentir seu olhar repreensivo sobre mim, incriminando-me.

Irônico ser o mesmo olhar que, em outras ocasiões, também me observava com luxúria e desejo.

— Senhor Way, contenha-se, pois sua conversa está atrapalhando minha aula. – Repreendeu-me com aquela voz calma, melodiosa e, para mim, sedutora.

— Perdão, padre Frank. Juro que não se repetirá. – Prometi, mas ambos sabíamos que eu não conseguiria cumprir. Aproveitando-me do contato visual, mandei-lhe meu melhor olhar, acompanhado de um sorriso significativo. Recebi um leve aceno negativo com a cabeça e outro olhar repreensivo.

— Assim espero, senhor Way. Bom, voltando à aula, ajoelhem-se diante de vossos lugares. Hora do Pater Noster. – Anunciou o padre, enquanto se ajoelhava em frente à seu gabinete e juntava as mãos, abaixando a cabeça no processo. Todos os seminaristas imitaram seus movimentos, preparando-se para rezar o Pai Nosso em latim.

"Pater Noster quio est in ceali,

santificetur nomen tuum.

Adveniat regnun tumm,

fiat volunctas tua sicut in celo e in terra.

Pane nostrae quotidianum danobis hodie

e dimite debita nostrae

sicut noi debitamus pecatoribus nostrae

E ne no inducas in tentazionen,

sed liberta nos a malo.

Amen."

Que o bom Deus me perdoasse, mas ouvi-lo entoando o Pai Nosso não me provocava nada além de puro desejo. Sentia-me sujo e sabia que o Senhor ainda me castigaria, mas... era mais forte que eu. Esperava apenas que minhas constantes rezas e súplicas amenizassem o estrago no dia do Juízo Final, ou quando Ele finalmente resolvesse me levar. Meus joelhos, já calejados, eram a prova de que eu queria – e me esforçava – para não pecar.

Como poderia o Senhor condenar um ato de amor?

Senhor, perdoa-me, supliquei.

XxX

As aulas do dia finalmente chegaram ao fim. Possuía agora pouco mais de três horas livres, até a última reza do dia e depois o jantar, para então soar o toque de recolher. Aproveitei um pouquinho do tempo para passear pelo prédio dos seminaristas, pertencente à Igreja. Pelas janelas, que ocupavam quase todo o espaço do chão ao teto, observei o cair das folhagens de nossas árvores, uma característica do finzinho do outono de Jersey. 1814 seria um ano frio.

Andei por alguns minutos, observando o fraco movimento a minha volta. Os garotos aproveitavam o pouco tempo livre que tinham para fazerem qualquer atividade não relacionada ao seminário e a Igreja, e isso incluía obter distância dos prédios santos. Eu, ao contrário, permanecia o máximo de tempo possível dentro do prédio do seminário, pois sentia que, permanecendo em seus domínios, as chances de obter o perdão seriam maiores.

E também porque padre Frank estava sempre por ali depois das aulas, ou no confessionário destinado aos seminaristas, ou emanando sua aura de sabedoria e compreensão ao redor da capela, mesmo sendo tão novo.

Padre Frank...

Precisava me confessar.

Encaminhei-me com certa urgência para o recinto onde se encontrava o pequeno confessionário que nos era exclusivo, receando encontrar alguém lá, apesar de quase nunca haver ninguém – os garotos mal apareciam quando eram obrigados. Logo passei pelas portas do pequeno santuário, inclinei-me levemente em sinal de respeito e escolhi um banco aleatório, sob o qual me ajoelhei e fiz a oração preparatória. Normalmente teria que fazer o exame de consciência para pensar sobre minhas ações e erros, mas meu pecado era único, possuía nome e sobrenome.

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