Quando eu o vi pela primeira vez...

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Querido diário,

se eu contar como vim parar aqui, você provavelmente não vai acreditar. Mas já que eu não ligo e você é apenas um caderno em branco sem vida, vou falar mesmo assim.

Você sabe que eu não sou de frequentar as festas do Wang. Vamos ser sinceros, eu não sou de frequentar festa nenhuma, mas aí que está a reviravolta do ano: fui escoltado por Jooyoung para um trabalho especial no banheiro da festinha mais agitada do mês. Não, eu não fui vender meu corpo ou alguma droga — quer dizer, quase. O que eu fui lá vender era completamente legal perante a lei, só que dentro das dependências do campus o reitor azedava e o comércio dessa coisinha foi diminuindo de alguns anos para cá. Cigarros! Ah, os famosos e infelizmente viciantes cigarros. Cada pacote por cinco, e se alguém reclamasse ia ficando mais caro.

Jooyoung tinha que buscar mais cigarros para vender, mas não queria deixar o banheiro livre para qualquer marmanjo usar como ponto. Então ele me viu rodando o campus igual formiga atrás de açúcar mais cedo — eu tinha perdido Mark por aí — e decidiu que seria um bom trabalho para mim. A coisa toda era fácil: Youngjae, se baterem na porta pedindo para usar o banheiro você recusa. Se derem três toques ritmados e calmos você destranca ela e espera. Se entrarem, eles querem cigarro. Se não entrarem era apenas alguém checando se estão usando o ponto. Só isso. Hoje eu só tenho sete maços, mas você vai manter um guardado para mais tarde. Tem um cara em especial que só vai atrás deles lá pela meia-noite, ele é meu cliente favorito. Guarda um pra ele.

Eu até fiquei preocupado com o fato de ter que vender cigarros no banheiro, mas, para ser sincero, depois que ele me ofereceu umas notas aí e prometeu o número de Im Jaebum, um carinha que eu estava observando faz tempo, com aquele sorrisinho meio suspeito, eu decidi que não tinha como negar. Só que as coisas não foram tão fáceis assim, ok. Eu não podia simplesmente ir vestido à lá humanis com minhas calças largos e sapatos esquisitos. Segundo Jooyoung, para frequentar uma festa, ou o banheiro dessa festa, eu tinha que estar vestido de acordo com o restante das pessoas. Ou seja: não vestir nada sem buracos, rasgos, correntes e preto. Tudo bem, eu podia fazer isso. Todo mundo já foi emo ou fã da 5SOS em algum momento, e eu fui — era — os dois.

As calças rasgadas quase não passaram das minhas coxas, eu tinha crescido uns bons centímetros desde a última vez que precisei usá-la. A blusa de banda propositalmente envelhecida fora presente do meu irmão mais velho quando entrei na faculdade. "Você precisa se encaixar em algum grupo, e eu prefiro que seja no de rockeiros, afinal fiz parte dele quando estudava". Ele só esqueceu de mencionar que o grupo de rockeiros só aceitava do Black Sabbath pra cima, e eu sempre fui de curtir um Strokes. Pelo menos ela estava tendo uso agora. Não que eu soubesse alguma música da banda, mas ao menos sabia que o vocalista tinha comido um morcego, o que parecia informação suficiente para cortar conversa.

Os brincos sempre fizeram parte de mim, só troquei para os da minha fase emo, as cruzes e coisinhas assim. Anéis também eram comuns, nada de difícil. Complicado foi aceitar aquele coturno velho. Eu gostava dos meus tênis, eram confortáveis e tinham entradas de ar agradáveis que só o tempo conseguiu trazer, mas eles foram jogados para dentro do guarda-roupa como bolas de futebol dentro de um gol assim que Jooyoung os viu nas minhas mãos. Coloque os coturnos, Youngjae, eu preciso começar começar a esconder essas olheiras terríveis, não quero afastar clientes com essa sua cara de morto. E, sabe, eu obedeci. Em partes porque não era doido de negar a mão que estava me dando dinheiro, em outras porque a ideia de esconder as olheiras profundas me agradou bastante.

Foi mais ou menos assim que eu cheguei aqui. Só mais três maços de cigarro, no chão do banheiro, a música abafada de alguma música da Ariana Grande ao fundo, minhas pulseiras se agitando com o movimento da minha mão ao escrever qualquer besteira no celular, o dinheiro no bolso da calça. Onze da noite, outra pessoa bateu na porta. Eu destranquei, uma garota de cabelo ruivo igual fogo sorriu de lado e perguntou com uma voz atrevida se eu gostava de fazer mais coisas do que vender cigarro, estendendo a mão. Eu podia ter sido irônico e ter respondido o óbvio — claro que eu gosto de fazer mais coisas do que vender cigarros num banheiro, quem não gosta? — mas apenas estendi o maço e peguei o dinheiro da mão dela, trancando a porta de novo logo em seguida. Era a segunda da noite que sugeria coisas perigosas de verdade.

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