Às vezes nada é o que parece ser. Vemos muito isso na natureza. Desde insetos que parecem folhas e galhos, até animais que se camuflam, misturando-se a troncos, pedras e paisagens. Às vezes nem mesmo um olhar atento é capaz de discernir o que está lá. Às vezes nossa mente e nosso corpo nos alertam de que tem algo errado, mas não conseguimos discernir. Esse relato é sobre isso, sobre algo que está sempre ali, mas não conseguimos perceber.
Callie era uma garota simples, de quinze anos, que vivia seu cotidiano simples. Tinha pais separados, mas isso não atrapalhava sua felicidade, pois os dois lhe davam atenção. Ás vezes menos atenção do que gostaria, mas estava satisfeita. Em sua escola, já tinha perdido o falso encanto trazido pelo ingresso no ensino médio. Achava que ali já seria adulta e teria mais independência. Ansiava por encontrar o amor de sua vida e por participar de algumas festas. Ilusões criadas pelo consumo de filmes clichês para adolescentes. Ainda tinha algumas esperanças, até sonhava com um baile de formatura, mas havia deixado isso de lado.
Nem tudo era ruim, tinha um pequeno grupo de amigas que estudavam com ela desde o sexto ano. Elas se davam bem e não guardavam segredos uma das outras. As aulas eram tranquilas e ela não se destacava por notas altas, mas também não tinha problemas com notas baixas. Uma vida tranquila e pacífica, sem emoções extravagantes. As vezes ela desejava que algo grandioso acontecesse em sua vida, mas, se soubesse o que viria, jamais teria desejado isso.
Tudo seguia normalmente. Ela ia para a escola, voltava para casa, ficava em redes sociais e fazia algumas de suas obrigações, mas algo começou a incomodá-la. Algo que sei que muitos, se não todos, já passaram.
Todos os dias, ao usar fones, Callie sentia algo atrás dela. Todas as noites, ele acordava na madrugada, com a impressão de que estava sendo observada. Às vezes escutava seu nome ser chamado, mas não haviam pessoas ao seu derredor. Isso já acontecera antes, mas eram eventos raros. Nas primeiras vezes achou esquisito e comentou com as amigas, mas elas disseram ser algo comum, algo que acontece com todos, então ela parou de se preocupar. Mas, agora, estava além da conta, era como se isso se tornasse mais frequente a cada dia. O que antes era algo raro, com uma frequência que ela não conseguia medir, agora se tornava corriqueiro. Começou ocorrendo por cerca de duas vezes no mês, depois, uma vez por semana. Quando esses incômodos chegaram a ocorrer três vezes na semana, ela começo a se desesperar. Contando para as amigas, foi desacreditada e afastaram a ideia, dizendo que era algo comum e que ela deveria estar muito estressada, ou que deveria deixar de lado o celular durante a noite, e dormir. Ela entendia que era algo difícil de se acreditar, mas sabia que algo estava errado.
Quando os incômodos se tornaram diários, Callie não conseguia descansar. Acordava toda madrugada, sem saber o porquê. Ela se irritava com a sensação de que algo a estava observando, então gritava para que, o que quer que fosse, a deixasse em paz. Por vezes acordou seus pais e, preocupada com o que poderiam pensar, mentia dizendo ter um pesadelo. Se nem suas amigas acreditaram nela, por que os pais acreditariam?
Quando ela falou comigo, os incômodos aconteciam várias vezes ao dia. Ela estava inquieta e agitada, não sabia mais o que fazer. Eu percebia sua agitação na sala de aula, então a questionei. Ela disparou suas palavras ao falar comigo, como se não aguentasse mais segurá-las. Era como se eu tivesse lançado uma pequena pedra em uma barragem, então ela cedesse e me encharcasse. Toda aquela conversa me deixou tonto, era difícil de acreditar, mas fiz como se acreditasse. Ela parecia bem melhor quando entendeu que eu a compreendia, então valeu a pena o fingimento, mas o alívio dela não durou muito.
Depois de nossa conversa, ela me ligava quase todas as noites, desesperada, dizendo que "eles" estavam ali e que se aproximavam a cada dia. Disse que logo a alcançariam e que ela não sabia o que fariam com ela. Eu, preocupado, pedia para ela explicar quem eles eram, mais ela não sabia dizer e nem conseguia descrevê-los. Eu a orientei a pedir ajuda de seus pais, mas ele disse que seus pais não podiam ver "eles".
Não faz muito tempo desde esse acontecimento, mas tudo acabou. Agora, Callie não me liga mais, nem parece estressada. Na verdade, ela não parece com nada, é como se fosse uma casca vazia e sem emoções. Ela não ri, ela não se enfurece, ela não fica triste. Ela só fala o necessário e faz suas atividades. Parece um robô, parece ser controlada por algo. Isso me perturba mais do que eu gostaria.
Resolvi escrever isso, pois recebi uma mensagem perturbadora. Uma mensagem de Callie. A mensagem que diz o seguinte:
"Obrigada por ter me ouvido, agora é tarde demais, eles já me alcançaram. Agora só tenho um aviso para você, tome cuidado. Eles sempre estão por aí, se escondendo, mas é possível percebê-los. Eles são aquela presença atrás de você, quando está de fone. Eles são aquilo que sentimos ao fecharmos os olhos no chuveiro. Eles são aquela voz que nos chama quando ninguém está próximo. Eles são aquilo que você vê no canto do olho que, quando você olha, não há nada, mas, ao voltar para onde está olhando, ainda está lá, no canto de seu olho. Eles são o vulto que passa enquanto nos olhamos no espelho. Eles são aqueles passos que estão sempre atrás de você, mas que nunca te ultrapassam. Eles são aquilo que te observa e te acorda no meio da noite. Eles são isso, e muito mais. Quanto mais disso acontecer com você, mais próximos eles estarão, e não tem como fugir. Então tome cuidado, não que isso possa adiantar muito, mas você pode ter mais sorte que eu."
Depois dessa mensagem, fiquei aterrorizado. Não só por causa do conteúdo, mas porque, desde que terminei de ler a mensagem, sempre parece que tem algo atrás de mim, inclusive agora. Me observam sem cessar, me chamam nos momentos mais incômodos e seus vultos me perseguem onde quer que eu vá. Isso fica cada vez mais recorrente, sei que é só questão de tempo até que me alcancem. Então tomem cuidado, não que isso possa adiantar muito, mas vocês podem ter mais sorte que eu.
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Contos de um homem comum
General FictionEsta história tem a finalidade de exibir os contos que escrevo de forma a exercitar a criatividade. Estão aqui dispostos para entreter e/ou servirem de inspiração. Tento postar semanalmente. Façam bom uso. ;)