🔑 - Parte VII

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Relatório de uso interno, escrito por Dr. Carlos Anchieta.

O paciente David Rodrigues Guedes nos últimos meses vem sofrendo de fortes delírios fantasioso, tem dificuldade de diferenciar a ficção da realidade, ele acredita fortemente que tem uma esposa chamada Alice, está que morreu há alguns meses, mas que misteriosamente retornou a vida graças ao seu heroísmo, encontrando uma chave magica e entrando em um portal para outro mundo, mas sei o que realmente aconteceu.

No dia dez de março, tivemos uma problema com o encanamento que passa pelo quarto de David, foi uma verdadeira tragédia, tudo ficou encharcado inclusive o seu livro favorito cujo o título era "Alice no País das Maravilhas", lembro-me e temos diversos relatos sobre o quão difícil foi assistir o paciente 033 sofrer com algo tão pessoal. Diria até que ficou de luto quando o zelador recolheu o livro e o jogou fora.

Por descuido do nosso zelador, ele acabou perdendo a chave mestra em algum lugar naquele dia, mas pelos relatos que temos, deve ter sido esquecido no quarto de David, o próprio paciente a manteve escondida por quase três meses, talvez tramando sobre como fugiria da ala psiquiatra ou alguma outra coisa, isso ainda está sendo investigado.

Na madrugada do dia cinco de maio, o paciente usou a chave mestra para abrir a própria porta e logo em seguida a de uma outra paciente da ala feminina, Magda Oliveira Costa, está por sinal ainda não foi encontrada, a polícia ainda investiga o paradeiro dela. Pelos relatos de David, acreditados que foi ela quem o guiou pelos túneis subterrâneos até o grande portão. Talvez ela represente a fada da sua ilusão.

Acreditamos nessa possibilidade, pois o paciente afirma ter visto uma fera adormecida em suas alucinações e isso condiz com a ala norte onde é guardada pelo Silas, o pastor alemão, que estava indisposto aquela madrugada.

Depois de cruzarem o jardim e beirarem a cerca viva, subiram no pé de acácia e atravessaram o muro para o outro lado. Talvez tenha sido nessa hora que eles se separaram, os relatos de David se aplica em sua aventura pelo bairro vizinho na madruga, onde acreditamos ter se espantado com tantos cartazes luminosos, com propagandas de casas, produtos e afins, isso condiz com sua história sobre imagens se movendo em grandes placas. Sabemos como a realidade pode ser confusa para pessoas com esquizofrenia mais grave, se não forem medicados corretamente, sabe-se lá o que eles vivenciam.

Talvez ele tenha parado em algum lugar para dormir, ainda não temos essas informações da polícia que ainda está investigando. Abaixo o testemunho do home que viu David:

"Eu estava indo pegar o ônibus quando vi um homem deitado no banco, ele parecia muito desorientado e confuso. Ficava falando coisas aleatórias sobre alguém tentando matar sua esposa... Me aproximei dele e tentei acalmá-lo, mas ele me atacou e eu gritei com ele. Logo após isso ele correu a rua acima e desapareceu."

Temos imagens de algumas câmeras de segurança que mostra o momento em que ele corre em direção a região onde fica a casa do zelador Gutemberg, ainda não sabemos como David descobriu o endereço dele, mas acreditamos que o motivo dele ter libertado Magda foi esse, ela pode ter feito a promessa de dizer onde o zelador morava em troca da liberdade, isso é possível, visto que pelas câmeras de segurança do prédio vimos o momento em que ela sai da sala de arquivo com uma folha, não temos ideia como ela conseguiu entrar ali. Mas ela é uma das pessoas mais inteligentes que conheci em todos esses anos como psiquiatra.

Quando o guarda foi buscar David naquela manhã para sua medicação, constatou que a sala estava vazia e depois de horas procurando pelo prédio, sinalizamos a polícia e decretamos sua fuga.

Não sabemos o que David fez durante as horas seguintes, sua história não deixa claro esse buraco temporal, mas por volta das quatro horas da tarde, temos o momento em que ele ataca o zelador em busca de vingança. Em anexo temos o depoimento do zelador:

"Era sexta feira a tarde, eu estava chegado em casa depois de um dia cansativo no trabalho. De repente senti alguém em cima de mim me atacando violentamente, me virei e não consegui entender, tudo foi muito rápido. Ele veio para cima de mim novamente e eu o ataquei em legítima defesa. Dizia coisas confusas, que eu tinha tirado sua Alice uma vez e que ele não deixaria que eu a levasse de novo. Depois que eu o imobilizei no chão, notei a pulseira no braço dele com o nome da instituição psiquiatra e me toquei que era ele o fugitivo."

Depois de acionar a emergência, O zelador foi levado até a delegacia onde depôs, logo sem seguida foi solto. E David encaminhado até hospital da cidade onde ficou inconsciente por um bom tempo.

No hospital fizeram os devidos exames e diagnósticos em David, apesar dos ferimentos, parecia bem, porém um pouco desorientado e confuso. Não se lembrava de ter fugido do hospital ou de ser paciente. Ficou o tempo inteiro pedindo para ver Alice.

David é um paciente do hospital psiquiátrico a quase cinco anos, ele foi internado pelos pais ao ter um surto psicótico e quase ter matado uma garota de sua escola, em sua ficha não informa o nome da vítima, mas por desencargo de consciência eu me informei com os pais de David e eles confirmaram minhas suspeitas, o nome da garota era Alice Fagundes.

David durante todo esse tempo em que esteve internado, nunca mencionou ou até mesmo alucinou nada assim antes, sempre que perguntávamos o motivo dele ter atacado a garota, ele simplesmente agia apaticamente, parecia não ter remorso nenhum, mas de alguma forma o livro que ele ganhou de presente, dado por mim ao demostrar um grande avanço no tratamento, cujo o título era, "Alice no país das maravilhas", despertou algum gatilho emocional nele, o que o fez criar toda essa realidade descrita por ele.

Como médico de David, eu não consigo permitir que ele volte ao convívio social não tão breve, pois mesmo tomando os medicamentos diariamente, seu quadro evoluiu muito nos últimos anos e sinto que o caso dele chegou em um nível que não dá mais para controlar com a medicação atual, teremos que encontrar uma nova solução ou temo que os surtos de raiva se tornem frequentes ou as alucinações se agravem ainda mais.

Talvez toda essa história que ele criou de salvar Alice, impedir que ela seja vítima de um homem grande, tenha sido uma forma do seu subconsciente reparar o dano que ele mesmo causou nela. Temos muitas hipóteses ainda, e acredito que essa nova personalidade dele seja capaz de trazer avanços para sua recuperação.

Arquivado na pasta do paciente David Rodrigues Guedes, data 24/05/2020


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