Capítulo 1

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Faltam poucos dias para as minhas férias, exatos dois para eu mergulhar no anonimato. É nisso que penso enquanto me levanto às seis da manhã, como de costume, e passo os olhos no jornal. Já tomei banho e aparo a barba, que estou deixando crescer. Gosto de acordar cedo, ter alguns momentos só para mim antes de encarar a correria do dia.

Pouco depois das sete, saio com meu terno negro sob medida, camisa branca impecavelmente passada e uma gravata cinza-escuro que completa o visual. Tomo o elevador privativo da minha cobertura no Heritage Cyrela, um edifício localizado no melhor endereço de São Paulo. O projeto, desenhado por Sofia Hernandez, é luxuoso: 570m² por andar em um terreno de mais de 3.000m².

Lá fora, João, meu motorista, já me espera em um Sedan preto.

— Bom dia, senhor Carides.

— Bom dia, João.

Entramos no carro, e o trajeto começa com uma conversa descontraída. Falamos sobre futebol — se o São Paulo vai entrar na Libertadores —, sobre o tempo, sobre a filha dele... assuntos leves e despretensiosos.

O toque do meu celular interrompe nosso papo. João ergue a divisória, garantindo minha privacidade. É Sueli, minha assistente. Sempre viciada em trabalho, e eu só tenho a ganhar com isso. Ela me lembra de uma reunião com o financeiro daqui a meia hora.

— Pode confirmar, estou a caminho.

— Vou ligar mais tarde para confirmar outros itens da sua agenda.

— Certo, Sueli, aguardo.

Desligo e me permito alguns segundos de reflexão. O mundo corporativo está cheio de pessoas como ela: workaholics, movidos por vaidade, competitividade ou uma necessidade quase visceral de provar algo. São incapazes de se desconectar, vivendo com o eterno medo do fracasso.

Eu sou diferente. No trabalho, dou o meu melhor, mas fora dele me desligo completamente. O descanso mental é sagrado para mim. Nos fins de semana, gosto de pegar uma praia, ir para o mato ou simplesmente relaxar na piscina da casa da minha mãe. Estar cercado de verde é meu programa favorito.

Aos 27 anos, talvez eu ainda tenha o privilégio da leveza. Durmo como uma pedra, raramente sofro de insônia ou mau humor. Minha trilha sonora? "Deixa a vida me levar", do Zeca Pagodinho, resume bem meu estado de espírito. Também adoro Benito de Paula e outros clássicos, mas sou eclético quando o assunto é música.

De grego, só carrego o nome e as origens herdadas do meu pai, além da grande responsabilidade: a Natus, a indústria de produtos de beleza que ele construiu e me deixou. Meu velho me ensinou muito, especialmente sobre cercar-me de pessoas competentes. E foi graças a esses ensinamentos que hoje posso pensar em tirar 30 dias de férias sem medo. Minha equipe está preparada, minha empresa roda como um relógio. Se algo der errado, podem me ligar, mas acredito que eles segurarão o rojão.

O celular toca novamente. No visor, Sueli.

— Senhor Carides, por incrível que pareça, sua agenda está livre.

Solto o ar, aliviado.

— Ótimo. Então marque uma reunião com a equipe de vendas à tarde.

— Certo. Mas tem algo curioso aqui: na sua agenda está escrito "joia".

Levo a mão aos olhos. Deus, como fui esquecer?

— É verdade. Hoje é aniversário da minha mãe, e o joalheiro vem à tarde. Aproveite e peça flores do campo na floricultura; são as preferidas dela.

Riqueza OcultaOnde histórias criam vida. Descubra agora