Capítulo 2

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Ela meneia a cabeça, com um suspiro leve, mas carregado de preocupação.

— Filho, a paixão, quando bate, afugenta a razão.

Fico pensativo diante disso. Nunca experimentei esse sentimento na profundidade que ela descreve, então não consigo entender completamente. Sempre fui mais racional quando o assunto é relacionamento. Já tive várias namoradas, e nenhuma conseguiu me prender. Sou bom em enxergar os defeitinhos que os outros ignorariam em um momento de empolgação.

— A senhora está errada. — Minha voz soa firme, mas sem arrogância. — Alguma vez já me viu sendo movido pelo coração? Sou o contrário disso. Enxergo muito bem quem está ao meu lado. Eu posso até gostar da vida simples, mas sou experiente o suficiente para saber o que é bom para mim e o que não é.

Ela não responde de imediato, mas o olhar dela permanece em mim, avaliando cada palavra, talvez buscando alguma brecha que prove seu ponto. Contudo, nenhum de nós insiste na conversa.

Terminamos o jantar em um clima agradável, e aquela troca de opiniões, ainda que com visões diferentes, não abalou a leveza da noite. Minha mãe, aos 65 anos, é uma senhora elegante, com uma presença que impõe respeito, mas com um toque maternal que só ela sabe dosar. Após o jantar, a levo de volta para casa, uma mansão imponente no coração do Morumbi.

Enquanto o carro desliza pelas ruas e avenidas iluminadas de São Paulo, volto a pensar nos meus planos de viagem. A conversa com ela não mudou minha decisão, e isso me arranca um sorriso ao observar a cidade pela janela.

A ideia de me passar por uma pessoa comum continua sendo um desafio atraente. Vai ser simples: deixar a barba e os cabelos crescerem, usar roupas descontraídas e despretensiosas. Não preciso de muito para desaparecer da imagem do empresário que as pessoas conhecem.

"Sim", penso comigo mesmo. "Será um recomeço temporário, mas absolutamente necessário."


Bianca Carvalho

A festa na Mansão Carvalho está em pleno auge. Meu aniversário de 24 anos é comemorado com pompa e circunstância, como meu pai gosta de fazer. Observo as luzes brilhantes refletindo nos cristais, as pessoas transitando com sorrisos forçados ou genuínos, e não consigo deixar de pensar na viagem que me espera.

— Não vejo a hora de viajarmos — digo para Maya, minha melhor amiga. — Vai ser incrível passar um tempo longe de casa.

Ela me olha com um sorriso incerto, os braços cruzados como se quisesse me proteger de algo.

— Para ser sincera, estou preocupada. Você pode não gostar... É provável que sejam as piores férias da sua vida. Segurar vela, ficar numa casa simples no meio do nada...

Reviro os olhos e dou uma risada.

— Maya, você dramatiza demais. Claro que vou gostar. A casa pode ser simples, mas o lugar que você descreveu parece incrível. E, sinceramente, não ligo para segurar vela. Só se você não quiser que eu vá?

— Não é isso, é claro. Eu só fico preocupada com você.

— Pareço ser de cristal, por acaso?

Ela me olha de cima a baixo e ri.

— Cristal não, mas talvez de porcelana.

Solto uma risada curta, tentando esconder a pontada de nervosismo que sinto. A verdade é que o lugar me intriga e me assusta um pouco, mas não vou deixar isso me impedir.

Penso no que meu pai diria se soubesse onde vou passar as férias. Ele surtaria, com certeza. Para evitar problemas, precisei ajustar um pouco a realidade ao contar para ele. Digamos que omiti detalhes... ou, como minha mãe prefere chamar, "melhorei a verdade".

Se fosse por ele, eu nunca sairia do meu mundo luxuoso e seguro. Mas eu não sou assim. Preciso de liberdade, de experiências novas, e mentir virou meu passaporte para isso.

— Vou dançar, vem comigo? — Maya me convida, puxando Heitor pela mão.

— Daqui a pouco — respondo. — Vou pegar algo para comer. O champanhe já está subindo à cabeça.

Eles se afastam, e eu respiro fundo, observando a mansão iluminada e cheia de vida. Meu pai conversa com um braço em volta da minha mãe, enquanto minha irmãzinha corre lá fora com os primos. Ela tem apenas nove anos e um coração puro, do tipo que não sabe mentir.

"Brenda vai sofrer", penso, com um suspiro.

Diferente dela, aprendi cedo que a verdade nem sempre é nossa aliada. Mas não a ensino a mentir. Prefiro guardar essa culpa só para mim.

Um garçom alto e moreno aparece com uma bandeja. Ele me oferece canapés, e pego dois.

— Espera — digo, rindo. — Melhor eu pegar mais um.

— Se quiser, trago outros sabores para você.

— Não precisa, esses são os meus preferidos. — Sorrio para ele, mas o momento é interrompido pela figura imponente do meu pai.

Ricardo Carvalho aparece do nada, o olhar firme e desconfiado. O garçom se afasta educadamente, mas a troca de sorrisos entre nós parece ter acionado algum alarme invisível.

— Filha, por que não está dançando com Maya? — ele pergunta, a voz carregada daquele tom inquisidor que conheço tão bem.

— Estou com fome, pai. Saco vazio não para em pé.

— Deus! Que palavreado chulo. — Ele suspira, apertando os lábios.

— Desculpa — digo, já sabendo que ele vai se irritar de novo.

Ele me puxa para um abraço apertado, quase esmagador.

— Está feliz com sua festa?

— Muito! Está tudo lindo. E obrigada pelo colar de esmeraldas. — Passo a mão pelas pedras brilhantes no meu pescoço.

— Cuide bem dele. Sua avó adorava esse colar.

— Pode deixar, pai. É um tesouro para mim.

Enquanto mastigo o canapé, ele me encara com aquele olhar severo que conheço tão bem.

— Termina de comer e depois me procure. Quero te apresentar uma família que conheci no clube. Eles acabaram de chegar.

Assinto, engolindo rápido o último pedaço. Mas quando ele se afasta, não resisto a olhar na direção indicada.

Vejo uma senhora elegante, um homem robusto e um rapaz franzino que deve ser o filho deles. Ah, agora tudo faz sentido...

Meu pai nunca perdia a chance de me apresentar a rapazes que, segundo ele, eram "os certos" para mim. Herdeiros de grandes fortunas, CEOs de empresas renomadas, executivos promissores — sempre impecáveis, bem-educados, de boa família e com um futuro brilhante pela frente.

Ele tinha um medo quase irracional de me ver envolvida com alguém que, na visão dele, não estivesse à altura. Um homem fora daquele círculo seria, para ele, quase uma afronta ao que ele considerava um "bom futuro".

Mesmo que suas intenções fossem as melhores, seu controle constante e suas escolhas cuidadosas por mim eram sufocantes. Afinal, ele queria que eu seguisse uma vida que, embora perfeita aos olhos dele, era completamente desinteressante para mim.

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