A Pílula (versão 2.0)

Parte 1 | Capítulo 1: Marcus

O despertador tocou e virei para o lado com preguiça. Queria ficar deitado por mais alguns minutos. Era sábado, mas seria um dia agitado, então era melhor levantar de uma vez.

Era uma manhã fria do início de Maio. Quando me arrumava para sair, lembrei que no dia seguinte completaria um ano de namoro. Cássio era quase cinco anos mais novo que eu, mesmo assim ele me completava e me fazia bem. Seus defeitos eram toleráveis, afinal quem não tem defeitos? Eu era o primeiro em sua vida e esperava ser o único

Temos um namoro complicado, passamos por muitos momentos difíceis neste último ano. Eu com minhas crises, Cássio com as dele, mas levamos com amor nosso relacionamento. Nem sempre estamos bem, mas ultimamente entramos em nossa melhor fase. Milagrosamente, nos últimos meses, nossas brigas cessaram e finalmente encontramos um equilíbrio. 

Amo meu namorado, como jamais pensei que amaria alguém. Tenho vinte e três anos, sempre soube da minha sexualidade e passei por muitos problemas internos até me aceitar, mas hoje sou muito feliz sendo o que sou. Não sou do tipo engajado nas causas LGBT, nem curto usar uma faixa na cabeça com as cores do arco-íris, fazer manifestação, essas coisas. Aprendi lidar com minha aceitação e estou feliz.

Descobri que gostava de homens ainda muito jovem, tinha onze anos. Lembro-me do dia que vi a foto de um modelo, daquelas revistas de promoção de lojas de roupas. Senti-me atraído pelo lindo homem que usava somente uma cueca. Neguei a princípio, só não sabia que aquilo seria algo permanente. Sofri ao perceber que em vez de me sentir atraído por meninas, como meus amigos, me sentia atraído pelos meus próprios amigos. Aos dezesseis anos dei o meu primeiro beijo escondido no quintal da casa de uma amiga. Estávamos numa festa da turma da escola. Fiquei com esse colega umas duas vezes, depois conheci o mundo da internet e comecei a caçar. Quando tinha dezoito anos já me considerava um pegador. Divertia-me com os caras que conhecia nas salas de bate papo. Ficava com eles algumas vezes, depois que cansava fazia a fila andar, não era inseguro ou medroso. Achava que transar sem compromisso com aqueles caras era minha maior qualidade e que eu tinha nascido para ser um eterno solteiro de coração frio. Foi assim por seis anos até o dia que conheci Cássio, tudo mudou.

Tomei meu café da manhã e fui de carro para o trabalho. Era formado em administração e trabalhava no setor de compras em uma empresa na cidade de São Paulo. Minha rotina era desgastante. Duas horas para ir e voltar. Morava na cidade de Campinas com minha mãe. Cogitava me mudar para perto do trabalho depois da minha formatura, mas já tinha cinco meses de formado e nada de mudança. Cássio não queria mudar de cidade. Propus que fossemos morar juntos em São Paulo, ele poderia fazer uma faculdade por lá. Desde que terminou o ensino médio no ano anterior, Cássio não trabalhava e passava o dia todo com os amigos ou sem fazer nada de útil em casa. Quando falava de mudança ele sentia medo, dizia que não estava pronto para morar junto. 

Contrariado, aceitei que ele não estava pronto para mudança alguma. Resolvi ficar perto dele e por mais que a rotina fosse desgastante, valia a pena. 

Detestava trabalhar aos fi nais de semana, além de ser obrigado a ir de carro por não ter fretado, eu era um dos poucos que aparecia por lá, mas, mesmo assim, no mínimo uma vez por mês eu optava por fazer isso, porque sempre tinha muita coisa acumulada e eu gostava de receber hora extra. 

Sentei-me na minha cadeira e meu olhar caiu diretamente na foto que tinha presa na baia. A imagem mostrava Cássio me beijando no rosto. Todos na empresa sabiam sobre nosso relacionamento e ele não imaginava isso. Olhei a foto por alguns minutos e em seguida concentrei-me no trabalho. 

Quatro horas depois, já estava com todos os problemas resolvidos, voltaria somente na segunda-feira, mandei uma mensagem para Cássio, me despedi dos poucos colegas que estavam trabalhando e voltei para casa, ansiando para comemorarmos juntos, nosso aniversário.