Prólogo

40 3 2
                                    



꧁𝓓𝓮𝓼𝓽𝓲𝓷𝓪𝓭𝓸𝓼꧂



Você acredita em destino?

Uma pergunta banal eu sei, clichê. Boba até.

Eu pensava exatamente assim quando me perguntaram pela primeira vez.

Predestinação? Providência divina? Pshhhh...

Quero dizer... não é um pouco ofensivo acreditar que nossas vidas já estão predestinadas? Que nós como seres humanos, somos completamente incapazes de decidir as coisas por nós mesmos? Incapazes de fazer boas escolhas? E por estarmos tão desamparados, precisamos de um pouco de ajuda para encontrar a carreira certa para seguir, ou os amigos certos para se ter ao lado, ou o lugar certo para viver? A pessoa certa para amar?

Isso é um insulto?

Ou é reconfortante?

Atualmente eu fico com a segunda opção.

Estou deitada no sofá, enrolada em meu antigo cobertor, uma peça que trouxe da minha antiga casa, que com certeza já viu dias melhores. As bordas estão desgastadas e tem uma mancha misteriosa que não sai por nada, não importa quantos ciclos de lavagem a máquina seja capaz de fazer. Mas ele é quente e macio. É falho, mas de alguma forma é perfeito. Como eu sou para ele. Como ele é para mim.

Ele está no outro cômodo, sentado ao piano - eu posso ouvir os sons tênues e melódicos das teclas ecoando pela porta aberta, escalas e notas sendo sucessivamente tocadas. O praguejar ocasional que sai de sua boca quando ele erra uma sequência, ou não consegue se lembrar do que vem a seguir. Adoro ouvi-lo tocar. Não possuo uma célula com dom musical no meu corpo, apesar do meu amor pela música e acho incrível que esse som, essas melodias, saiam de sua mente fluindo para a ponta dos seus dedos. É uma canção pop, é fácil para os ouvidos, mas também é como mágica. Eu defendendo música pop? Eu sei, quem diria né? Jamais irei admitir isso para ele, afinal tenho uma reputação a zelar aqui.

Viro outra página do meu livro, "Todas as suas (im)perfeições", de Colleen Hoover. Está escurecendo na sala, enquanto o Sol faz seu caminho para o oeste, deixando apenas um losango pálido de luz espalhado pelo chão. Eu bocejo, esticando os braços acima da cabeça, suspirando de satisfação enquanto meus músculos relaxam. Eu fecho os olhos, ainda ouvindo. Ele está ficando frustrado - posso dizer, quando ouço mais "merda" e "inferno" do que o som das teclas. É hora de intervir.

Levanto do sofá e jogo o cobertor para o lado. Eu estou vestindo uma camisa dele, longa o suficiente para cobrir metade das coxas, ela está tão velha e gasta que é quase como um papel de seda incrivelmente macio. É confortável, mas muito fino, então enrolo meus braços em torno de mim para me proteger do ar frio. Vou descalça pelo corredor, a bainha desfiada de meu jeans arrastando pelo piso frio de madeira.

Um momento depois, estou à porta da sala observando-o. Ele está vestindo uma camisa cinza de algodão e jeans simples, debruçado sob o piano com os cabelos negros desgrenhados caindo sobre seu rosto. Eu assisto suas mãos dançarem sob as teclas por um momento, escolhendo uma música alegre e animada, antes de acertar uma nota aguda acidental.

- Foda-se! - Ele rosna, batendo o punho sob as teclas. O som é irritado e discordante, muito distante da doce melodia que ele tocou momentos antes.

Eu sorrio.

- Talvez mais tarde, se você for bonzinho - eu digo, dando um passo para dentro da sala. Eu rio enquanto ele gira no banco para poder me encarar. Sua expressão muda, o vinco de irritação em sua testa desaparece, os olhos desanuviam e ele sorri, larga e lindamente. - Mas acho que deveríamos jantar primeiro.

Ele balança a cabeça e me chama para mais perto, batendo os dedos para me atrair.

- Para você a comida vem sempre em primeiro lugar - eu caminho até ele, como sempre faço, incapaz de me manter longe. Ele desliza pelo banco preto polido e eu me sento ao seu lado de costas para o piano.

- Você precisa de um descanso - eu digo apertando levemente seu joelho. Há um grande rasgo no tecido e eu deslizo minha mão sorrateiramente, fazendo cócegas na pele macia.

Ele sorri tristemente e assente uma vez com a cabeça, deslizando a mão ágil ao redor de minha cintura.

- Sim eu preciso.

- Vamos comer fora. Está com vontade de quê? Comida italiana? Chinesa? Oohh, espera! Tem aquele restaurante tailandês que abriu no centro...

Ele ri, me puxando para perto, colocando a cabeça em meu ombro. Seu cabelo cai tremulando levemente contra os nossos rostos.

- O que você quiser, parece bom pra mim.

Coloquei meus braços em volta de seu corpo magro, inclinando-me para seu abraço, e gentilmente beijei sua bochecha.

- Ok. Então vamos lá.

- Agora? Vestido assim?

- Bem agora e vestido exatamente assim.

Ele levanta a cabeça, roçando os lábios na minha bochecha antes de me dar um beijo lento e suave. Nós dois sorrimos enquanto nos separamos.

- Como desejar - ele diz citando "A Princesa Prometida", que ele sabe que é um dos meus filmes favoritos. É um conto de fadas, sim, mas com humor e uma reviravolta. Uma história sobre o amor - amor que tudo consome, que é exagerado e ridículo.

Ele se levanta, pegando minha mão e me colocando de pé. Saímos da sala, nossos dedos entrelaçados, encaixando-se como uma fechadura e sua chave. Como se tivéssemos sido moldados uma para o outro.

Conto de fadas? Não é bem assim. Eu não sou uma princesa e ele definitivamente não é um cavaleiro de armadura brilhante, principalmente porque eu odeio vestidos e ele tem pavor de cavalos. Nossa história é um pouco mais realista do que isso...

... e ainda assim, completamente mais irreal.

Ou seja, você acredita em destino?

Você diz que não? Talvez devêssemos explicar.

Ouça com atenção - porque vamos fazê-lo mudar de ideia.

Através da Tua Alma (Eu posso ver)Where stories live. Discover now