VI - OS AMANTES

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NO PASSADO

Eu abro meus olhos para a luz da manhã irradiar implacávelmente através das gavinhas balançando de um salgueiro. É isto. Esta manhã no café Portia me informou que eu tinha o dia livre. Algo sobre as dores da Condessa... er, as dores de cabeça da Nadia. Sem nenhuma tarefa a cumprir em minha mente, eu me repouso contra um salgueiro coberto de vegetação no jardim para descançar.

???: ...Preocupada.

...?
Eu juro que acabei de ouvir uma voz. Baixinha e fraca, como um ecoar vindo de longe.

Faust: Preocupada! - Faust se pendura de cabeça para baixo em um galho baixo a minha frente, balançando gentilmente como um cipó na brisa leve.

"Faust? É... É você mesma?"

Faust: Preocupada!! - Sua voz fica mais forte, mais insistente, agora que ela sabe que estou ouvindo. Asra me contou sobre o laço entre um mago e seu familiar. Aquela comunicação limitada e possível. Ele e Faust conversam com muita frequência, apesar de eu nunca ter certeza de como faziam isso até agora.
Mas Faust não é minha familiar. Eu não deveria ser capaz de falar com ela... Mas ainda sim, estou.

"Também estou preocupada, Faust. Eu gostaria de saber aonde ele foi."

Faust cai levemente da árvore em meu colo, e então rasteja na grama diante de mim. Um forte sentimento de confiança irradia de Faust e se espalha por todo meu corpo, me preenchendo com calor.

"Estou feliz que não estou só."

De algum jeito, acho que Faust se sente do mesmo jeito. Conforme eu limpo minha mente de distrações tumultuosas, os sons alegres do jardim preenchem meus ouvidos. É muito pacífico aqui. Sinto como se Asra pudesse estar aqui do meu lado, cochilando no sol.

Faust: "Árvore." - Faust balança insistente em minha frente, rastejando ao redor do salgueiro. Quando eu a sigo, vejo ela balançando novamente e encarando firmemente um ponto específico na árvore.
Eu me curvo para dar uma olhada, e então tropeço caindo para trás em choque. Não pode ser. Isso não faz nenhum sentido. Cravado profundamente na casca do salgueiro, há um único nome, rígido e permanente.
... Mai.

Tremendo, eu passo meus dedos traçando as curvas duras, as pontas dos meus dedos reconhecem o sentimento da magia que repousa sobre as letras. Asra.
Quando ele teria tido tempo para fazer isso? Parece ter anos, mas Asra e eu só nos conhecemos há poucos anos... Ou então era o que eu fui levada a acreditar.
Um leve baque me sacode do meu torpor chocado.

Faust: "Asra." - Sua cauda se enrola em minha mão conforme ela se curva para frente, encarando em meus olhos. O mundo todo se dissipa, e então...


"Asra?!" - Eu tento abrir minha boca, mas não consigo invocar minha voz. Eu me sinto pequena, comprimida. Ele se curva e me pega.

Asra: "Onde você esteve o dia todo, hm? Não apertando certos doutores...?"
Faust: "Diversão!"
Asra: "Ah, bem. Suponho que não posso te culpar por isso Faust. Ele não dificulta as coisas. Mas ainda sim, ele com certeza não facilita, também." - Asra franze mas logo retoma o sorriso. "Não brinque demais com ele, tudo bem? Ele vai começar a pensar que você gosta dele."

O que é isso? Eu sinto como se eu estivesse aqui com Asra, e ao mesmo tempo não. Como se eu estivesse assistindo de um ponto distante de vista. Ou como... Se fosse uma memória.

Asra: "Ilya começou a pensar que eu gosto dele. Mas você e eu sabemos a quem meu coração pertence. Tem outro alguém em minha mente. O nome dela continua escapando de meus lábios como um feitiço... E todo dia que passo longe dela, faz a espera ser pior. Não ouvir sua voz chamando meu nome... Você também sente falta dela, não é? Ou ao menos dos carinhos profissionais no queixo."
Faust: "Aonde?"
Asra: "Para um lugar que eu não posso entrar, ainda. Não se preocupe, Faust. Estamos chegando perto."
???: "Asra!"
Asra: "Ugh."

Uma figura nos chama, inclinando-se no peitoril da janela da biblioteca com um sorriso largo em seu rosto.

Julian: "Tirando outra soneca, hm? Enquanto você fora sonhando em baixo da sua amada árvore, eu fiz um avanço. Se você não se apressar e subir, eu vou curar a cidade todinha sem você."
Asra: "Eu duvido muito disso. Vamos lá, Faust." - Asra vira suas costas para a janela, e caminha profundamente pelo jardim conforme a escuridão me engole novamente.


O que... O que foi isso? Uma visão do passado, com certeza, mas como? Eu percebo que estou deitada sobre minhas costas, encarando entre as folhas do salgueiro acima de mim. Conforme eu me sento, de repente me sinto tomada por um impulso que não é meu, me levando direto para a biblioteca. Ao contrário da sedução implacável de uma memória onírica, esse sentimento é amigável. Prestativo.
Faust.

"Tem algo na biblioteca que eu deveria ver?"

Faust: "Ajuda."
Eu olho para a fonte onde eu encontrei Asra antes, confusa. Parece apenas funcionar a noite, mas... Eu não posso ir para a biblioteca ainda, não sem tentar algo. Eu sei que não tem muito que eu possa fazer para contatá-lo se ele não quiser ser encontrado, mas eu tenho que tentar. Na última noite, uma esmeralda funcionou. Hoje não tenho nada a oferecer além de mim mesma.
... Certo. Eu piso na água fria da fonte, fechando meus olhos, e lanço minha magia. Ela varre todo o terreno do palácio, passando por toda a cidade, e então para. Ele está perto, ainda que bem distante. Posso sentir metade dele na beira da minha consciencia. Eu tento alcançá-lo... E minha magia volta com um estalo para dentro de mim com uma força repentina. Como se eu tivesse sido subitamente cortada.
"Por que ele tem que ir logo aonde eu não posso seguir?" - As palavras saem espontâneamente de meus lábios, um suspiro emburrado é engolido pela fonte balbuciante. "Para a biblioteca, então."
Talvez eu consiga algumas repostas para essas perguntas pairando em minha cabeça. Sobre Asra... E sobre como eu me enfiei em tudo isso.

Me sinto drenada pelo esforço de tentar contatar Asra, meus pés rastejam conforme eu ando lentamente pelo corredor até a biblioteca. Eu chego na porta elaboradamente esculpida, e então noto que eu não tenho nenhuma chave para entrar.
"O que eu faço agora?"

Faust: "Biblioteca."

"Tá trancada."

Faust: "??"

"Eu não consigo entrar. Eu não tenho as chaves." - Frustrada, eu pressiono minha mão sobre os desenhos detalhados dos cipós, tentando persuadir a porta a abrir através de pura força de vontade.
... Nada.

"Como eu deveria entrar agora?"

Portia: "Mai! Que bom te ver aqui! O que faz?"

"Eu estava tentando entrar na biblioteca, mas eu não tenho as chaves." - Rapidamente, eu escondo a Faust nas minhas costas e sorrio para Portia.

Portia: "É só isso? Então eu te cubro." - Ela passa as mãos em seu avental por um momento, então pega um anel repleto de chaves triunfantemente. "Aqui está! Me dê apenas um momento e eu já abro isso pra você." - Ela começa a destrancar o mecanismo, cantarolando suavemente como sempre. "Eeeeee pronto. Ufa, não é de se admirar que ninguém nunca vem pra cá, né? Ah! Antes que eu me esqueça." - Ela apalpa seu avental e então pega algo brilhante e verde... O colar de esmeralda que Nadia me deu. Quando ela...?

Portia: "Você deve ter deixado cair ontem a noite. Sabe, quando você estava na fonte. Mas eu encontrei pra você! Não se preocupe, não vou contar pra ninguém que você perdeu." - Ela estende a mão, entregando-o para mim, e então hesita, pegando de volta. "Então sobre ontem... Eu realmente ficaria feliz se você não mencionasse o que viu para milady."

O que eu vi...?

Ah. Portia deve estar se referindo sobre a conversa que ela teve com Julian. Considerando todos os segredos que eu venho mantendo da Nadia também... Me parece mais que justo.
"Claro."

Portia: "Ótimo! Pois bem, aproveite a bilioteca! Não se esqueça de trancar quando terminar, ok?" - Portia me devolve o colar e então sai, dando um pulinho enquanto anda ao virar para outro corredor.

Recuperando o fôlego, eu me adentro na escuridão mofada, desprevinida de qualquer segredo que o cômodo além de mim tem a me oferecer.

The Arcana - Mai e O Mago (Asra's Route)Onde histórias criam vida. Descubra agora