Parte 1 - Um céu morto

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“Olhamos para um céu morto.”

Recordo-me dessa máxima ao ver, através da escotilha, o espaço desfazer-se ao redor do VTQ (Veículo de Trânsito Quântico). Seguimos em curso para Marte, torcendo para que o resto da missão transcorra tão bem quanto o foi desde o lançamento até então. A tripulação do Nautilus (como batizei não oficialmente a nave) compunha-se de mais sete indivíduos, oriundos dos mais diversos cantos do agora distante planeta azul.

Eu e meus companheiros nos conhecemos ainda na infância, quando a Agência deu início ao PVQ (Programa de Viagens Quânticas); demorou algum tempo até poder compreender do que realmente se tratava o programa. Todavia, após vinte anos de treinamento e estudos, estou feliz em ser parte de algo tão pioneiro quanto o vôo de Gagarin, cento e trinta e sete anos atrás.

Abandono meu assento, aproximando-me da responsável pelos sistemas de navegação. Maria estava inquieta como sempre. Algo me dizia que ela ainda nos causaria problemas no decorrer da missão. Informei minha preocupação ao controle dias antes do lançamento. A resposta que obtive foi apenas: “Faça o possível para mantê-la estável e focada em sua parte do trabalho.”

- Está tudo bem, Ortiz. – minha navegadora responde sem desviar a atenção do painel semi-translúcido diante de si.

- Não poderia estar de outro jeito, concorda? Qual o tempo estimado para órbita? – inclino-me sobre o painel enquanto aguardo sua resposta.

- Três horas e quarenta e dois minutos. A trilha quântica mantém-se estável. Não há variação no fluxo de táquions ou quaisquer outras interferências.

- Excelente! Gostaria de um relatório a cada trinta minutos.

Viajávamos através do campo quântico ou, como os parapsicólogos envolvidos no projeto costumam chamar, “campo astral”. O Nautilus deslocava-se no espaço tetradimensional, onde as regras eram ditadas por leis muito diferentes às da física clássica.

Lembro-me das exaustivas aulas sobre a Relatividade Geral de Einstein e como seriam as coisas quando estivéssemos além da matéria. Contrariando o que um dos maiores físicos do século XX preconizou em seu “paradoxo dos gêmeos”, a viagem na quarta dimensão seria mais lenta para nós do que o tempo transcorrido na Terra. As quatro horas a separar-nos do planeta vermelho não seriam mais do que minutos (cinco para ser mais exata) aos envolvidos no controle da missão.

O Projeto Osíris (batizado em homenagem à divindade egípcia sobre a qual recaia a responsabilidade de reinar no submundo, o lugar aonde iam os mortos da civilização que o adorava) foi criado sob a premissa de que as viagens interplanetárias através dos métodos convencionais seriam algo virtualmente impossível.

Citando Einstein novamente, para nos deslocarmos do ponto A (Terra) para o ponto B (qualquer lugar no universo) seríamos regidos pela constante: massa = velocidade X espaço. Desse modo, se quiséssemos vencer a distância entre a origem e destino, precisaríamos de quantidades absurdas de combustível, pois mover uma nave cuja massa alcançaria proporções quase infinitas demandaria material impossível de ser transportado. Missões antigas à Marte levavam em média cinco anos para serem concluídas, pois três anos eram gastos apenas para se ir e retornar ao astro.

Com esse novo processo, o tempo cairia de forma drástica e, caso obtivéssemos o sucesso desejado, visitas à M-31 e outras galáxias próximas ocorreriam em dias ao invés de décadas ou até mesmo séculos.

O segredo dessa revolução na exploração do universo residia em algo que, para a extinta NASA e, consequentemente, a maioria dos velhos astronautas seria algo incompreensível. Creio essa ser a definição mais próxima do provável sentimento em seus intelectos caso soubessem como esta nave e seus ocupantes singram o tempo-espaço.

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