- É meu! – uma vozinha esganiçada ecoa na área comum do edifício onde os espécimes eram levados durante o dia.
- Não! Eu vi primeiro! – uma menina de cabelos negros agarra-se com força aos braços de uma boneca.
- Ela é minha! – Maria Castro sacode o objeto como se fosse o último de seu tipo.
- Você tem tudo o que quer, Maria! Eu só quero brincar com ela! Pode ficar com tudo!
- Teresia, Maria, por qual motivo estão brigando?
- Ela não quer me dar a Pony, Giselle!
- Que nome bobo para uma boneca! Ela sempre fica com tudo! Eu só quero essa!
- E por que vocês não param com isso? Duas meninas tão lindas, brigando por uma boneca?
- Não é uma boneca qualquer! É a Pony!
- POMX, quero dizer, Maria, deixe Teresia brincar com ela, tudo bem? Depois é a sua vez.
- Não! Eu quero agora!
- Teresia, não podemos brincar com outra coisa?
- Está bem! Não sou uma menininha! Só menininhas brincam com bonecas! – Teresia dá de ombros e faz uma careta.
- Não sou uma menininha! Não sou! – Castro retruca.
Teresia e Maria abandonam a boneca no centro da sala, distraindo-se com outros brinquedos. Giselle Finnet as observa, imaginando como a disputa entre ambas se desenvolveria ao curso dos anos. Em seu gabinete, Miriam Fassbender cataloga o vídeo recém gravado com um sorriso sarcástico nos lábios.
- Sinto falta daquela época... – Maria Castro divaga, enquanto observa os sinais de resposta de conexão piscando em negativo.
- Ela competia comigo em tudo. Pelos brinquedos, nos treinamentos, na atenção de Vladimir. Apesar disso, não consigo sentir nada além de sua falta. Onde ela estará agora? Assim como Julien, foi dispensada do Projeto. Não na mesma época. Por que estou pensando nisso, afinal? – voltando-se novamente à tela, Castro luta para manter sua concentração.
Parte de sua mente direcionava-se à manutenção dos sistemas sob sua responsabilidade. Um momento de distração e o VTQ poderia ser comprometido. Era parte de um organismo e, como tal, deveria cumprir suas atribuições sem vacilar. Contudo, as lembranças de toda uma vida nas dependências do projeto teimavam em assaltá-la.
A jovem havia se integrado ao Projeto conforme o planejado por Miriam Fassbender e a equipe responsável pela adaptação dos membros da missão. Os anos anteriores eram um conjunto difuso de memórias: orfanatos, lares adotivos, orfanatos. Havia algo nela que afastava todos aqueles cujo impulso primordial era o de conceder-lhe um lar.
Quando os representantes da Liga Mundial surgiram para levá-la, ela havia considerado o fato como a resposta de Deus às suas preces. Mesmo a doutrinação ceticista de seus tutores não havia lhe destruído as crenças. Se estavam ali, navegando o desconhecido, era pela vontade de uma entidade superior. Sem Seu consentimento, não haveriam partido rumo às estrelas.
Ela lamenta por Vladimir Korodinsky tê-la desprezado uma década atrás e quase sente prazer ao imaginar que o companheiro perdera Teresia quando a rival foi afastada do Projeto. Ainda era jovem. Quando retornassem, poderia seguir com sua vida. Conhecer um bom rapaz, casar, ter filhos. Isso durante o processo de ocupação do planeta onde a humanidade iria recomeçar. Em seu íntimo, ela se sentia uma das Evas de um novo mundo.
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Sonhos Quânticos
Science FictionNo limiar do século XXII, o homem descobre aquilo que poderá ser o método definitivo para singrar as enormes distâncias entre os astros. O campo de probabilidades abria-se, permitindo o deslocamento através do espaço entre os espaços; possibilitando...