Ouvia a música. Distante, abafada. Era melódica, de batida leve e notas arrastadas. Distinguiu um piano e talvez estivesse escutando um violino. Apreciava música, cresceu numa casa em que a cultura coreana era levada a sério. Lembranças do outro lado do Atlântico invadiram sua mente como uma leve brisa: chegou de repente, mas sua presença era bem vinda e reconfortante. Conseguiu visualizar sua versão pré-adolescente sentada em frente a um piano numa tarde ensolarada de sábado tomando lições de um professor – também coreano – bem mais velho do que sua mãe, com idade para ser seu avô. Praticou piano por anos, até entrar na faculdade e o instrumento ser trocado por livros e mais livros: tanto por necessidade de estudar, mas também por alimentar sua infinita fome de conhecimento mórbido. Era uma lembrança distante de uma Eve Polastri completamente diferente nos dias atuais.
O espelho à sua frente parecia estar posicionado ali somente para provar o seu ponto.
A Eve Polastri refletida estava mais velha, com um rosto calejado pelo cansaço – há quanto tempo não sabia o que era ter uma noite tranqüila de sono? – Eve sabia a resposta, mas preferiu evitar. Havia rugas de estresse tornando-se proeminentes na sua testa; as olheiras já tinham se tornado parte dela e Eve já conseguia aceitá-las como duas velhas conhecidas. Contudo, a maior diferença estava evidenciada em seus olhos. Era notável, peculiar e perigosamente familiar.
Já tinha identificado. Óbvio.
Aliás, sempre esteve presente. Sempre sentiu. Espreitando.
Assim como suas olheiras, Eve sabia que aquilo também era uma velha conhecida. E diferente das manchas escuras abaixo dos cílios inferiores, Eve se recusava a torná-la presente sob qualquer circunstância. Tornar-se ciente da presença daquilo implicava em aceitar e ela ainda não estava pronta para esse estágio. Era assustador e ao mesmo tempo não era.
Havia certos aspectos que ainda a conectavam como a pequena Eve Polastri que assistia aulas de piano nas tardes de sábado em Connecticut com um velho coreano de sotaque arrastado. Sua versão mais jovem estava descobrindo as coisas e muitas das vezes o mundo acontecia rápido demais para que ela pudesse acompanhar. E nessas horas ela se sentia perdida e sendo jogada de um lado para outro. Escola, igreja, dever de casa, aulas de piano, ajudar mamãe na cozinha, escola, igreja, dever de casa, aulas de piano e ajudar mamãe na cozinha. Tantas direções e sendo puxada para todas elas ao mesmo tempo.
Cansa.
Nossa, como é exaustivo.
Pequena Eve lidava com tudo isso com a eterna promessa de sua mãe "termine isso e você poderá brincar."
Sejamos justas: ela brincava. Mas nunca era o suficiente para suprir suas frustrações por causa de todas essas responsabilidades.
Anos mais tarde e a porra da sensação era mesma. Puxada para todas as direções ao mesmo tempo. Havia responsabilidades no meio, é claro. Mas as direções, nesse caso, em sua maioria, eram sentimentos. Eve sentia tudo. Levantar da cama todos os dias era como colocar uma chaleira de água para ferver. Antes do apito indicativo da chaleira sempre havia a premissa do caos das moléculas de água se debatendo dentro utensílio. Então, todos os dias seus sentimentos montavam uma rinha de luta e aguardavam um vacilo de Eve para escaparem – e berrarem – pelo bico da chaleira. O que sairia do seu ponto de ebulição era uma incógnita.
Eve adulta lidava com isso com a eterna promessa "eu vou encontrá-la de novo."
E aqui estava ela. Indo em direção a sua promessa.
Despediu-se do seu reflexo e caminhou para o salão.
***
A música agora mais clara do que nunca nos seus ouvidos. E estava certa sobre o violino. Observou brevemente o ambiente: decoração pífia, papel de parede da época em que a Rainha ainda tinha dentes no lugar de uma dentadura, luzes amareladas e deprimentes; mesas ocupadas com trios e casais conversando e uma pista de dança alegre, contrastando completamente com a avaliação negativa dela.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Follow My Lead
Fanfiction"Eu sou excelente em várias coisas, mas dançar não é uma delas." ou ATENÇÃO, CONTÉM SPOILERS DA SEASON FINALE DE KILLING EVE (3x08). Ballroom Scene.