Lady

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Depois de uma noite terrível, muito contrariada me levantei e fui tomar uma ducha rápida. O bom é que o banho aliviou um pouco a dor no meu corpo por não ter dormido. Sequei o cabelo, me maquiei, fiz chapinha. 

Perco um tempo precioso fazendo chapinha, mas o trabalho exige isso e não tenho escolha. Um dia meu celular não despertou, então eu não tive tempo de alisar o cabelo; só lavei, coloquei meus cremes e deixei secar ao vento. Cheguei no trabalho com os cabelos cacheados ao natural e fui chamada na sala do patrão. Levei uma bronca! Ele disse que aquele meu penteado não era apropriado para o ambiente. Eu me defendi dizendo que acordei mais tarde que de costume e não passei a chapinha para não perder o ônibus, senão chegaria uma hora atrasada no trabalho. Ele sugeriu que eu alisasse com química, o que me fez pensar seriamente no assunto, pois quem sabe poderia descansar uma hora a mais ao invés de ficar com os braços doloridos de tanto esticar a cabeleira. O patrão avisou também que daquela vez era uma advertência verbal, só porque eu era nova na empresa e poderia não estar familiarizada com as regras, mas que a próxima seria uma advertência escrita. Ele me mandou ir imediatamente num salão de beleza e alisar "esse cabelo" dizendo exatamente essas palavras num tom de desprezo absurdo. Os salões dentro do Shopping são caríssimos, mas tive que pagar. Só depois entendi a seriedade do assunto. O que ele queria era enfatizar que ter cabelo crespo é um erro muito grave, ou seja, qualquer indício de negritude naquele ambiente de pessoas brancas era inaceitável. Pensei em responder: "Pois é, me desculpe por ser quem eu sou!" mas me calei. Para sobreviver a gente aprende a engolir os sapos...

O meu trabalho também exige roupa social e sapatos de salto alto. É desconfortável e doloroso pois fico de pé quase o dia todo, mas é estritamente obrigatório. Para aquele dia escolhi uma calça preta, uma camisa levemente transparente com florezinhas azuis discretas, uma blusinha justa por baixo da camisa (para nunca mais aparecer meu decote!) e coloquei minha correntinha, o único acessório que uso. Calcei sapatilhas para enfrentar o barro e os buracos da rua, mas levei o salto preto para trocar quando chegasse na loja. Peguei minha bolsa, minha mochila da escola (nunca mais posso esquecer, nunca!) Peguei também uma calça jeans e uma camiseta para a aula já que dessa vez iria direto. Engoli um café preto de ontem e corri para o ponto de ônibus.

E então, como num looping, repito toda esta rotina desde que arrumei este emprego. Eu desço a rua esburacada, coloco meus pequenos fones brancos. Leio a frase do sete à um, dou risada, passo na frente dos bebuns, eles mexem comigo, eu aumento o volume da música. Chego no ponto já lotado onde as pessoas estão sempre de cara feia. Os homens ficam buzinando e eu ignorando. E, além de enfrentar o ônibus lotado, ainda encaro os tarados e a dificuldade de saltar no ponto certo sem ser arrastada pela massa para outro lugar, feito um cardume sem consciência própria.

Meu único alento é a mensagem matinal de bom dia do Rafael. Só posso vê-lo aos sábados, infelizmente. Durante a semana só trocamos mensagens ou ligações, por isso fico morrendo de saudades. Ele também acorda cedo, mas não pelo mesmo motivo que eu. Toda manhã ele corre pela Avenida Brigadeiro Faria Lima ou pelo bairro de Pinheiros, onde mora e depois vai para a academia praticar o Crossfit. À tarde "dá uma força", como ele diz, na loja de carros semi-novos do pai dele. Ele tem 19 anos, já terminou o Médio e agora está pensando em fazer Faculdade de Administração, mas não tem certeza se é por ele ou se é pelo pai dele que quer ajuda nos negócios. Como diz, não descobriu ainda sua vocação. 

Sei que você deve estar se perguntando: onde você conheceu esse príncipe encantado, Vana!? E adianto à você que foi por pura sorte! No começo do verão passado eu consegui um trabalho temporário entregando folders de uma academia badalada desse mesmo Shopping que trabalho hoje. As regras não permitiam que folders fossem entregues no interior do Shopping, por isso eu tinha que trabalhar na rua. Eu ficava na Avenida em frente, a Brigadeiro Faria Lima, o dia todo entregando as propagandas para as pessoas que passavam. Principalmente na parte da manhã muitos passavam por ali fazendo caminhadas e correndo, entre eles um loirinho lindo, corpo atlético, 1.80 m, de olhos azuis: o Rafael. Ele corria muito rápido mas sempre desacelerava quando me via. Pegava o panfleto da minha mão educadamente, mesmo que já tivesse pego no dia anterior, me olhava bem nos olhos e me dava um sorriso tão sexy que me fazia ferver por dentro! Geralmente as pessoas não olhavam na minha cara enquanto eu entregava os folders, mas ele olhava, e como olhava! Isso durou uma semana, mais ou menos, até que um dia finalmente ele parou, pegou mais um panfleto, que já devia estar colecionando, olhou para o pedaço de papel e disse:

ImpedidaOnde histórias criam vida. Descubra agora