Notada

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Na maioria das vezes chego cinco minutos antes de bater o sinal de entrada, o que para mim é tempo suficiente para observar os outros alunos em seu "habitat natural". Como estou sempre sozinha, me distraio observando os grupinhos e garanto à você que é tudo dividido desigualmente, numa hierarquia imaginária e irracional que todos, por algum motivo que não compreendo, respeitam. 

Por exemplo, tem o grupinho do Lucas. Ele é um cara que gosta de falar merda na sala de aula e em qualquer lugar só para ser o engraçadão. Faz o tipo superpopular entre os garotos e as patricinhas. Mas para mim ele é só um escroto. Em contraponto tem o grupo das garotas descoladas. Elas são o oposto do grupo das patricinhas. Não são frescas como elas, vestem roupas rasgadas e são bem briguentas. A Tainá com certeza é a líder. De certa forma eu a admiro, pois ela faz o que quer, fala o que quer, na hora que quer. Gostaria de ser assim às vezes, só que não tenho coragem. E tem a galera que não está nem aí para nada, que só está lá pelo diploma. Esses com certeza nem almejam uma Faculdade. Não os julgo, já que conseguir o diploma do Ensino Médio já é uma dificuldade tão grande que para eles está bom, dá para conseguir um emprego medíocre pelo menos.

Sei que você deve estar pensando, mas espera aí, Vana, numa Escola Pública não existem "patricinhas"... Não são todos pobres? Sim, exatamente, são todos uns pobretões, senão estariam numa escola particular. Eu falei "patricinhas", mas na verdade eu as chamo de "patricinhas pobres" por puro sarcasmo. Porque, entenda, mesmo necessitando dos serviços públicos, há os "menos pobres" que conseguem comprar um Iphone em setenta e duas prestações ou algumas peças de roupas de marca famosa e, por este motivo, acham que são melhores que os mais pobres ainda. É sempre aquele mesmo velho esquema de sempre: os de cima pisando nos de baixo, mesmo que este "estar por cima" só exista na cabeça deles.

Sei que você também pode estar pensando que eu estou estereotipando as pessoas as separando em grupos tão distintos. Mas acredite, não sou eu que faço isso com eles, eles fazem. Se fecham em bolhas sociais difíceis de estourar. Tudo seria bem mais fácil se não houvessem essas bolhas, mas o ser humano é complicado. 

Desses grupos que citei, não me encaixo em nenhum. Não sou metida à rica para fazer parte das patricinhas pobres e também não sou nem um pouco descolada pra fazer parte das descoladas. Não suporto sujeitos como o Lucas e muito menos os que puxam o saco dele. Também não sou como os que dormem na sala, só esperando o tempo passar rápido para pegar o diploma. Tenho meus sonhos, embora não espere muito que possa realizá-los, mas quem sabe com muito esforço um dia eu consiga.

Não tenho amigos e sou tipo invisível na escola. As pessoas dizem que sou muito tímida, mas em minha defesa digo que na verdade sou reservada, o que é bem diferente. Eu não entendo porque as pessoas têm essa necessidade de tagarelar o tempo todo... Eu não gosto de tagarelar, mas eu falo sim, ao contrário do que pensam. Falo apenas quando é necessário. Também não gosto de tomar iniciativa para amizades.

A última amizade que me recordo foi com uma garotinha surda no Fundamental, que por esse motivo também não falava. Era engraçado pois eu também não falava, mas mesmo assim nos comunicávamos perfeitamente só com o olhar ou com pequenos gestos. Éramos unha e carne e sempre brincávamos juntas. Mas, no quinto ano, ela foi embora para outra cidade para estudar em uma escola especial e, infelizmente nunca mais encontrei uma amiga como ela. 

Pensando bem, não sei bem onde me encaixo no mundo... estou tentando encontrar meu lugar ao sol. Sou o tipo café com leite, sabe, morena clara por herança genética da minha querida avó preta. Tenho olhos castanhos e cabelos cacheados, mas se os aliso, coisa que tenho que fazer diariamente por causa do meu novo trabalho, até passo por branca. Está aí algo que é muito confuso para mim, pois quando uso o cabelo cacheado natural, passo por negra tranquilamente. Não sou alta nem baixa e me visto de forma casual, sem definir um estilo ou outro. Enfim, me acho genérica e comum. Nem sei direito o que o Rafael viu em mim, aquele príncipe! Por isso que na escola prefiro me sentar bem na frente, prestar atenção na aula e entrar e sair sem ser notada.

ImpedidaOnde histórias criam vida. Descubra agora