Aproximadamente 10 segundos foi o tempo em que fiquei parado observando eles, até que o som de trem invadiu a minha mente e eu finalmente havia acordado de verdade. Invés de acordar em uma casa aconchegante, estava deitado no banco de concreto próximo a estação de trem da cidade, me sento no banco já sabendo que deveria levantar logo para não ser surrado pelos policiais. Me estico para pegar minhas muletas que estavam de baixo da minha cama improvisada, me levanto com ajuda delas e vou me locomovendo com elas para longe dali.
Depois de alguns segundos finalmente chego em um beco onde guardava as minhas coisas com outros moradores de rua, eramos um povo bastante unido que de alguma maneira sempre tentava ajudar o próximo a sair dessa vida. Assim encontro Richard com meus desenhos feitos com papéis velhos que encontrei no lixo e lápis de cor usado.
- Demorou mais que o normal hoje, na próxima deixo as suas coisas aqui para roubarem. - Richard disse com certa rispidez.
- Sem uma das pernas é um pouco difícil, não acha? Além disso, você não vai fazer nada o dia inteiro mesmo, consegue ser demitido até do cargo de mendigo - Dou uma risada, lembrando dos locais que Richard era proibido de ir pedir dinheiro por surtos violentos..
- Eu consegui um serviço com um cara, talvez eu até saia da rua.
- Não me diz que você vai...
- Eu preciso, Artur. Não posso ficar aqui esperando esmolas de ninguém.- Você vai acabar morrendo.
- Eu vou morrer de qualquer jeito - ele dá de ombros e me entrega as sucatas e restos que eu usava para desenhar - Você mais do que ninguém deveria ser contra todo esse sistema, por culpa deles você está aqui.
- Boa sorte, Richard.
Pego minhas coisas que estavam dentro de uma mochila de pano bem velha, coloco ela nas costas e vou andando para o perto da estação onde costumava tentar vender os meus desenhos. Aquela conversa com Richard havia tirado o sonho da minha cabeça, o que não durou muito, já que passei boa parte do tempo ali tentando encontrar o homem que falou sobre a minha família, mas para o meu contentamento ele não apareceu.
Parecia mais um dia comum, estava sentado próximo a estação anunciando as minhas pinturas com as pessoas me ignorando completamente. A hora do almoço já estava chegando e sem nenhum trocado provavelmente ficaria sem almoço mais uma vez, por sorte uma moça de mais ou menos 17 anos passou no local distribuindo comida para os moradores de rua da região, ela usava uma camisa branca com a estampa de uma ONG municipal. A moça me entregou a comida e sentou ao meu lado, sorrindo de maneira educada e se apresentando, seu nome era Helena.
Ela tinha cabelos cacheados e bem cheios, sua altura era de aproximadamente 1,60m e tinha olhos da cor castanho bem claros. Tinha feições bem delicadas e sua pele era negra em um tom chocolate, usava uma calça jeans bem clara junto da sua blusa da ONG, se não fosse pela estampa diria que era estudante de uma das universidades próximas.
- Como o senhor se chama? - sua voz era doce e transmitia muito bem a sua gentileza.
- Artur.
- Espero que goste da refeição, fizemos com muito amor para todos vocês. Se importa comigo aqui? Gostaria de conversar com o senhor, parte do nosso trabalho é ouvir vocês e suas histórias
Eu não gostava de contar sobre o que tinha acontecido comigo, mas talvez fosse uma oportunidade para receber ajuda, por um momento meu peito se encheu de esperança.
- Aos vinte e dois anos eu estava com minha mãe e irmã no carro indo para um restaurante comemorar a formatura da minha irmã. No caminho cruzamos com uma perseguição policial e o carro dos assaltantes, em alta velocidade, acertou o nosso carro em cheio - paro por alguns instantes, era difícil falar sobre aquilo - Os ladrões conseguiram fugir em meio a confusão, minha irmã e mãe morreram no acidente e eu perdi a perna.
A garota ouvia com atenção enquanto seus olhos enchiam de lágimas, ela parecia segurar o choro.
- Eu não tinha um emprego fixo e nem sequer uma formação escolar, eu diversas vezes tentei conseguir auxílios governamentais, mas nunca consegui resolver tanta papelada e sem nenhum parente próximo não tive escolhas além de vir morar na rua.- Isso é terrível - sua voz estava meio embargada, como se estivesse prestes a chorar.
- É, eu vivo na rua mais ou menos dez anos vendendo meus desenhos - aponto para as folhas com desenhos de seres pálidos com cara de espanto - não vendo muito, mas graça a pessoas como você eu sou capaz de viver, muito obrigado.
A garota concorda com a cabeça demonstrando uma gratidão genuína pelo o que eu disse, continuamos ali conversando até que ela me pede para fazer um desenho ali mesmo. Mexo na minha mochila para pegar papel e os lápis, foi ai que lá dentro estava o diário que encontrei em meu sonho um pouco antes dos anjos se curvarem diante de mim. Fico alguns instantes olhando para ele sem entender, tinha de ter sido um sonho.
- Algum problema, Artur?
- É que eu acho que um conhecido deixou algo aqui e eu tenho que devolver agora. Podem achar que eu roubei ou coisa parecida.- Não, Artur, o diário te escolheu. Você é o Guaridão do Fogo.
Ao ouvir aquilo de novo minha única reação foi tentar levanta com ajuda das minhas muletas e me afastar dela, ou chamar ajuda, ou simplesmente gritar com a moça. Mas ao tentar levantar vejo que o mundo a minha voltar havia parado como no meu sonho, tudo estava parado. Helena se levanta e das suas costas saem asas com um brilho branco intenso.
- Sou a Guardiã da Lua e responsável em levá-lo para o departamento imediatamente.
- Eu já disse que não gosto dessa brincadeira, para com isso agora!
- Artur, o conselho precisa de você para dar fim a essa guerra, você vai ir comigo por bem ou por mal. - o tom gentil fugiu da sua voz, agora ela parecia uma guerreira dando seu ultimato em meio ao campo de batalha.
- Vai bater em um aleijado? - esse truque quase sempre funcionava.
A reação dela foi apenas de erguer sua mão e estalar os dedos aumentando o brilho das suas asas me forçando a fechar os olhos, me levanto com tudo e começo a fugir o mais rápido que podia com as minhas muletas. Ela fica apenas parada me vendo fugir e enquanto eu me afastava via as pessoas paralisadas como estátua, mesmo esbarrando em algumas, elas não demonstravam nenhuma reação. Adentrando em um beco e virando em uma das vielas dou de cara com ela novamente e uma reação automática ergo minha muleta em um golpe vindo de baixo para cima na lateral para acertar o rosto dela, porém o golpe ao acertar o rosto parecia ter sido parado em poucos centímetros da região que seria atingida e como um truque de mágica sinto um golpe no mesmo lugar que eu havia atacado a guardiã, me fazendo cair no chão.
- O que... O que diabos é isso?
Sem resposta, ela apenas me pega pela camisa me erguendo do chão sem dificuldades.
- Não me obrigue a te machucar, senhor. - seu olhar e forma de falar demonstrava que não era um blefe.- Tudo bem, eu me rendo, mas para onde você vai me levar exatamente?
- Para o departamento.Depois disso as asas de Helena voltaram a brilhar intensamente, eu desmaiei.
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Guardiões - A corrupção
General FictionSeres responsáveis em manter o equilíbrio dentro do universo entram em conflito, inciando uma imensa disputa para defender suas ideologias. O diário então escolheu aquele que é responsável por dar fim a todos os conflitos e de uma vez por todas decl...