Jane - Agora

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Belo dia para ficar em casa, penso comigo mesma enquanto saio do banho e me dirijo a pia para escovar os dentes. Ainda de toalha na cabeça, reflito sobre os últimos dias. O clima está perfeito para dormir o dia todo; nuvens, frio e previsão de chuva. Apesar de serem ainda cinco horas da manhã, eu já estou de pé desde as quatro.

Fazia cerca de duas semanas que eu não conseguia dormir direito. Não porque não quisesse, mas porque toda vez que eu tentava dormir o meu celular tocava. Eu vivia no trabalho e nas ruas, com os olhos abertos e sempre com um grande copo de café. Tom, meu gato, é mais inquilino do apartamento que eu. O caso do Assassino no Parque bagunçou completamente a rotina na delegacia.

Há uns quinze dias, um jovem de vinte e um anos foi encontrado morto no parque central da cidade. Ele estava jogado ao pé da escada da igreja com os braços abertos formando uma cruz. O caso chocou muita gente. Ninguém conseguia entender como alguém poderia ter feito aquilo já que o local vivia sempre cheio de pessoas. Cerca de cinco dias depois, uma senhora de setenta anos foi morta no mesmo lugar e da mesma forma. As coisas se complicaram. Todos estavam em cima de nós, exigindo respostas e uma prisão. A delegacia estava uma bagunça, ninguém sabia mais o que fazer. As vítimas não tinham nada em comum, mas foram mortas mesmo assim.

Depois de muito trabalho duro, descobrimos uma ligação entre os assassinatos. Os dois eram membros da igreja. Demoramos para descobrir isso pois os outros servos estavam com medo de dizer alguma coisa. As vítimas não tinham família o que complicava ainda mais. Até que recebemos uma informação anônima e chegamos à conclusão de que aquele era um problema pessoal.

Quem quer que fosse que estivesse fazendo aquilo, era alguém de dentro da igreja. Precisávamos agir logo. Não foi preciso muito mais investigação. No dia seguinte depois da segunda morte, o assassino confessou. Foi até a delegacia e contou tudo. Era um rapaz de trinta e sete anos totalmente devoto, fascinado e apegado a religião. Não que isso seja ruim, mas ele estava ficando lunático. Aparentemente só estava querendo fazer justiça com as próprias mãos. "O jovem de vinte e um anos era homossexual e por isso não devia viver. A senhora de setenta anos recusava-se a oferecer ajuda financeira à igreja, e ela era uma rica solteirona."

Pensei que essa noite seria minha redenção, mas com certeza estava enganada. Depois de tanto trabalho, eu realmente pensei que teria uma folga. A pouco mais de uma hora, meu superior, o chefe de polícia David Gueller, telefonou convocando uma reunião urgente às cinco e meia da manhã.

Por sorte meu apartamento fica apenas a cinco minutos do trabalho, então pude me organizar sem pressa. Olho o relógio, são cinco e dez, preciso sair. Desligo a luz do banheiro, dou uma última borrifada de perfume e vou em direção a cozinha. Troco a água de Tom e coloco mais ração em seu potinho. Ao ouvir o barulho da comida, o bichano vem correndo, entrelaça minhas pernas deixando um rastro de pelos amarelos. Saio pela porta e sigo para mais um dia.

Durante o trajeto, resolvo passar na cafeteria da esquina e comprar um expresso triplo. Só assim para conseguir sobreviver a esse dia.

A delegacia na qual eu trabalho é a maior da cidade e direcionada aos piores casos. Homicídios, assassinatos em massa e casos graves de agressão. Todos os outros crimes ficavam a cargo dos outros prédios.

Apesar do meu apartamento ser bem próximo ao trabalho, gosto de ir dirigindo, me sinto mais segura. Paro o carro no estacionamento dos fundos e me dirijo até a entrada principal.

O saguão de entrada não é muito grande. Janelas compridas cobrem quase todo o local, as paredes de tinta branca precisam de retoque. Há um balcão largo em um canto a direita, alguns bancos de metal ao lado esquerdo e algumas plantas espalhadas próximas a porta.

- Bom dia inspetora Jane. Já tão cedo aqui? – diz o recepcionista.

- Bom dia Bob. Pois é, depois do último caso pensei que teria uma folga - respondo enquanto caminho até minha sala.

Saio da entrada e sigo um longo e largo corredor que se bifurca no final, noto que as salas ao decorrer dele estavam todas vazias. Provavelmente todos ainda estavam dormindo. Concluo que David deve ter chamado apenas alguns policiais.

Virando à direita, no fim do corredor, entro na porta com a inscrição Detetive-inspetora Jane Hill. Tudo estava da forma como eu deixara no dia anterior. Muitas pastas e folhas esparramadas pela mesa e um copo de café vazio, que pego e jogo na lixeira. Nada novo. Geralmente, Amanda, a secretária, entrega os casos novas pela manhã e os organiza na minha sala. Ela também deve estar dormindo. Sorte a dela.

Minha sala é muito confortável e maior do que a maioria que trabalha aqui. Quando iniciei no serviço há cerca de quatro anos, ficava em um daqueles cubículos no corredor principal. Claro que depois de alguns trabalhos bem-sucedidos e algumas promoções, concordaram em me mudar de lugar. Na época, alguns dos meus companheiros não gostaram da ideia, era difícil para eles trabalhar com uma mulher. O que eu posso fazer?

Saio da sala para o corredor e viro para o lado esquerdo onde se encontram duas salas. Uma menor, de David, e a outra maior, a Sala de Reuniões. Entro na segunda porta.

A sala de reuniões é usada quase todos os dias. Na verdade, não me lembro de um dia sequer tê-la visto vazia. Sempre quando precisa-se organizar estratégias, debater algum assunto ou apenas passar informações simples, é nela que as coisas acontecem. O seu interior é claro, com muitas lâmpadas fluorescentes e um ventilador de teto. Uma grande mesa de madeira com cerca de doze cadeiras ao redor ocupa metade do local. Logo atrás encontra-se uma grande televisão e um quadro branco com algumas canetas. Os cantos da sala são ocupados por arquivos e uma máquina de café.

Fico surpresa ao perceber que apenas quatro pessoas estão presentes. O meu superior David Gueller, Conan o Inspetor que liderava a equipe de homicídios e Harry e Anderson, os Chefes da Perícia Forense.

Todos estavam com expressões muito cansadas, com exceção de David que parecia estar completamente disposto, embora todos saibamos que ele deve ter dormido umas quatro horas assim como o restante de nós. Com seus copos gigantes de café e rosquinhas nas mãos, permanecem em silêncio quando entro.

- Bom dia pessoal, espero não estar atrasada.

-Tudo bem Jane, acabamos de chegar também – diz David, deixando transparecer um pouco de cansaço em sua voz.

- Então, o que temos aqui? – indago enquanto me sento ao do lado oposto da mesa.

- Ontem, por volta das dez horas da noite, depois que encerramos o turno, recebi uma ligação de uma jovem alegando ter encontrado um dedo na praia.

O dedoOnde histórias criam vida. Descubra agora