Alice - Agora

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Depois do ocorrido, Bruce se desculpou. Prometeu que no dia seguinte me levaria em um dos cirurgiões plásticos mais famosos do país, que por sinal era amigo de sua família, para que tentasse reconstruir meu dedo. Ele realmente me ama. Não polpa esforços para me ver bem. Como eu não queria nenhum acidente envolvendo o dedo decepado, decidi jogá-lo ao mar, os peixes poderiam come-lo e nunca ninguém saberia o que houve. E foi só depois de jogado que me lembrei de que esquecera de tirar o anel.

Naquela noite, jantei sozinha, remoendo comigo mesma os acontecimentos que ocorreram de manhã. Pensei que ele mudaria de ideia e que voltaria mais cedo para casa, então preparei um belo jantar; risoto de camarão, purê de ervilhas e pãezinhos assados. Abri uma garrafa do nosso melhor vinho e fiquei esperando. Já eram quase onze horas quando decidi me deitar. Acho que logo adormeci, pois não percebi quando ele chegou. Assim que acordo no outro dia, percebo que ele já havia ido trabalhar.

Eu estava terminando de preparar o almoço quando a campainha toca. Limpando as mãos em um guardanapo, me dirijo até a porta.

- Boa tarde. Alice Nolan está em casa? – pergunta a mulher parada a porta.

Ela era muito bonita, tinha os olhos grandes e o rosto corado. O cabelo castanho lhe caia pelos ombros. Me parecia muito familiar e então lembrei de onde eu a conhecia. Jane Hill. Eu a vi muitas vezes no noticiário, prendendo assassinos e encerrando casos.

- Sou eu mesma, em que posso ajudar? – respondo tentando parecer calma.

Por qual motivo ela estaria aqui? Será que alguém havia denunciado algo? Será que encontraram o dedo? Não é possível, eu já o tinha jogado a mais de vinte e quatro horas.

- Sou a Detive-Inspetora Jane Hill – disse ela mostrando-me o distintivo – gostaria de fazer algumas perguntas. A senhora se incomodaria se eu entrasse um pouco?

Claro que sim, penso comigo mesma.

- Não, imagina. Entre por favor.

Me afastando um pouco, permito que ela entre. A guio até a sala de estar e peço que espere um pouco, precisava desligar o forno.

Quando retorno, encontro-a sentada em uma das poltronas de couro, escrevendo algo em um bloco de anotações cujas folhas eram amarelas. Me sento de modo que fique de frente para ela. Ajeito o cabelo com as mãos e endireito a postura.

- Tem uma bela casa – começa

- Obrigada – respondo esboçando um sorriso

- Se importa se eu fizer algumas anotações? É só questão de rotina.

- Tudo bem. - Digo – fique à vontade

Jane se ajeita no assento e então continua.

- Como andam as coisas por aqui? Está tudo bem?

- Sim, está tudo ótimo. Desculpe-me perguntar, mas por que esta visita? – indago, gaguejando ao final da frase.

Ela direciona o olhar para a minha mão, a qual faltava um dedo. E então minhas suspeitas se confirmam.

- Bom, não creio que um acidente tão casual possa ser motivo para enviarem alguém tão importante como você – falo tentando parecer carismática

- A senhora chama isso de acidente casual? – fez uma careta e aponta para o meu dedo – Pode me dizer o que aconteceu?

Não acredito no que está acontecendo. Casais brigam, isso é normal. Não é necessário envolver a polícia. Sei que Bruce passou um pouco dos limites, mas não preciso fazer disso um grande caso. Essas coisas acontecem.

- Nada de mais, apenas me cortei com a faca.

- Era uma faca muito afiada – responde ironicamente a Detetive

- Sim, era mesmo. Depois do ocorrido até a joguei fora. Não precisamos de mais acidentes como esse por aqui não é mesmo?

Eu amo meu marido e faria qualquer coisa por ele. Ele realmente me feriu, mas eu mereci. Não devia tê-lo questionado. Não sei o que essa mulher pensa que aconteceu, mas não deixarei que descubra.

- E quando foi esse acidente senhora Nolan?

- Foi ontem por volta das dez horas. No café da manhã. Eu e meu marido completamos três anos de casados e resolvi fazer um café da manhã para ele. Foi quando aconteceu.

- E por falar nisso, onde está o senhor Nolan?

- No serviço, deve estar de volta daqui uns minutinhos para o almoço.

- Seria incomodo esperar por ele para fazer algumas perguntas também?

- Não... digo, é melhor não. Bruce é muito ocupado e odeia esse tipo de coisa. De qualquer forma, foi apenas um acidente, como eu disse.

Minha voz estava começando a falhar e a entoar preocupação. Jane deve ter percebido isso também, julgando pela expressão de compaixão que aparece em seu rosto.

- Saiba que pode confiar em mim Alice. Posso te chamar assim? – aceno com a cabeça positivamente – Pode me contar qualquer coisa.

- Bom, como eu já lhe disse, foi mesmo um acidente. Meu marido me levará hoje em um cirurgião plástico para resolvermos o problema. Ele se preocupa comigo. – Digo fazendo uma pausa para respirar e prossigo– Como foi que ficou sabendo do meu dedo?

- Não posso dar muitos detalhes, mas alguém o encontrou na praia. Não muito longe daqui e informou a polícia.

A mulher à minha frente analisa com cuidado todos os meus movimentos, então me contenho para não gritar. Se eu soubesse que isso poderia acontecer, nunca o teria jogado no mar. Poderia ter queimado, dados a cães na rua ou jogado na late de lixo.

- Que coincidência, não? – respondo rindo.

- A senhora não tem empregada? Desculpe a intromissão, é que notei que estava preparando o almoço.

- Não, gosto de cuidar da casa. Além do mais, Bruce não me deixar trabalhar.

Droga, falei demais. Sinto vontade de me bater. Farei isso assim que ela for embora. Nesse momento não posso vacilar. Ela precisa acreditar em mim.

- Ah sim, entendo. Sendo assim, já irei embora então.

Nos levantamos juntas quando a porta se abre. É ele. Assim que entra, nos dirige um olhar ameaçador e vem rapidamente em nossa direção, falando com beligerância.

- O que está acontecendo aqui?

Me encolho ao som de sua voz e logo me recomponho, mas noto que Jane Hill me olha com atenção.

- Nada demais senhor, apenas algumas perguntas de rotina em uma investigação. Encontraram um dedo na praia e ele pertence a sua mulher. Ela já me explicou que foi apenas um acidente. Já estou de saída.

Assim que ela começa a andar, a sigo. Bruce me lançando um olhar de desaprovação.

Do lado de fora, quebrando o silêncio, a Detetive começa.

- Me desculpe se causei algum problema. Olha Alice, como eu disse, saiba que pode contar comigo. – falou enquanto me entregava um papel com um número de telefone – Por favor, qualquer coisa me ligue. As mulheres precisam se ajudar e de qualquer forma, é meu dever. Quero que fique bem.

Ela realmente parece uma pessoa boa. Uma mulher digna. Mas não posso deixar que nada aconteça ao meu marido. Preciso proteger meu casamento.

- Obrigada e não volte mais aqui.

Fecho a porta e entro, guardando o papel no bolso da calça.

O dedoOnde histórias criam vida. Descubra agora