Último Suspiro

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Eu chorei rios de sangue.

Meu coração expelia a tristeza,

Já tão amargurada,

Em gotas rubras e brilhantes

Que escorriam pelo meu rosto

Deixando rastros secos e opacos.

A cada amargura vinha a dor.

Com a carne se remoendo dentro de mim.

Se torcendo como uma cobra morrendo.

Minhas entranhas pareciam soltas.

As vísceras escorregavam pelo corpo.

Eu estava desabando.

Implodindo lentamente.

Apodrecendo de dentro pra fora.

Corroendo e rangendo.

Soltando pó e ferrugem.

Colapsando meu universo pessoal,

Localizado dentro da minha cabeça,

Como uma estrela que vira um buraco negro.

Todo o meu ser estava sendo consumido.

Engolido por mim mesmo.

A partir do momento que eu deixei ir,

Quando amarrei minha corda no pescoço,

Dei brechas para a minha essência,

Tão volátil quanto álcool,

Sumir ao nada.

Pouco a pouco,

Em um fino véu inexistente.

Me esvaziando gota a gota.

A cada pingo era uma parte minha,

Já desgostosa pelo âmago ferido,

Partindo sem significado.

Derramadas no chão duro e frio.

Neste momento vi meu epitáfio.

Neste momento caiu a ficha.

E enquanto eu morria

Pintei obras em vermelho.

Usei minhas veias de tinteiros

E meu dedos como pincéis.

Mostrei a quem viu

E a quem mereceu

Que eu me dei à causa.

Que eu era aquilo o eu que fazia.

Minha alma estava ligada ao meu amor.

Em uníssono.

Eu me dava às paixões.

Eu borrava apenas para fazer de novo.

Eu recriava para me deleitar.

Eu aproveitava para não definhar.

E por bem ou por mal,

Meu amor, ao trincar,

Também rachou minha alma.

Ambos se tornaram lívidos.

Mas eu ainda os usava para a arte.

E cada vez mais a tinta ia sumindo.

O papel não ganhava cor.

Nem eu aguentava levantar o próprio braço.

Nem enxergar meu fracasso.

Olhei várias vezes para quadros em branco.

Pensando numa maneira de torna-los vivos.

Trazê-los à vida em obras

eternas.

E nenhuma resposta me foi dada.

Pois eu estava na beira do precipício.

Eu estava encarando a auto-destruição.

Uma aniquilação das minhas lembranças.

Um extermínio dos meus ideais.

Um atentado à minha imaginação.

Impotenta e inconsciente.

Foi assim que me encontrei antes da queda.

E nenhuma mão para me segurar.

Ou palavras para me parar.

Eu carreguei minhas memórias nas mãos,

Pesadas e densas.


Acorrentadas a mim.
Ancoradas na minha pele e ossos.

A fim de saboreá-las uma última vez,

E arrancar um sorriso desse rosto.

Antes de esquecer quem fui.

Antes de cair no esquecimento.

Antes de sussurrar um último adeus...

Escrituras de um SimplórioOnde histórias criam vida. Descubra agora