Ele me olhava com grande expectativa, os olhos brilhando, as pernas tremendo, à espera de uma resposta:
- Entãooo?
Respirei fundo. Eu não sabia por que tínhamos entrado naquele assunto de novo. Eu já tinha deixado claro qual era a minha opinião nas diversas vezes que falamos sobre isto:
- A minha resposta continua sendo não.
- Mas...
- Nós já falamos sobre isso, por que insistir agora?
Foi como um balde de água fria, dava para ver em seus olhos, ele também respirava fundo enquanto eu devolvia os folders sobre adoção que ele havia trazido para mim. Eu cheguei em casa e lá estava ele com aquele olhar de expectativa e aquele sorriso que me fez apaixonar por ele desde o nosso primeiro encontro. O combinado era que se um dia tivéssemos um lugar nosso, uma vida estável financeiramente, poderíamos pensar sobre o assunto. Pelo jeito, esse dia já chegou:
- Por que não? Agora é perfeito. Nós estamos juntos há um bom tempo, estamos felizes juntos. Eu não tenho vontade de me separar de você, você também não. Nós temos a nossa casa, as nossas plantas, a nossa gatinha. Você conseguiu o emprego que tanto queria, eu também, estamos estáveis. Não tem mais desculpas para não termos um filho.
Tentei abrir a boca para dizer algo, mas o melhor que fiz foi me levantar do sofá sem dar uma resposta para ele e ir para cozinha pegar algo para beber. Ele me seguiu, eu já abria um vinho e enchia a taça, me olhando à espera da resposta.
- Porque eu não quero ser pai. Você sabe disso, eu sempre deixei isso bem claro. – disse sentindo a pressão da minha resposta. Ele me escolheu como seu marido e como pai do seu filho. Era muita responsabilidade da qual, eu não estava nem um pingo preparado para ter – Você tem noção da responsabilidade que é ter um filho, de que é um ter uma criança. Às vezes, eu penso que você não faz ideia. Não é a mesma coisa que adotar um bichinho de estimação. A criança precisa de atenção, não é um boneco que você pode devolver depois. Precisa de educação, de uma boa educação, de uma escola boa.
- Isso, a gente consegue dar para ela.
- Você já pensou no bullying que ela pode sofrer em uma escola por ter dois pais. Você está preparado para enfrentar isso. Porque eu tenho certeza de que isso vai sobrar para mim, será eu que darei a cara tapa para defender um filho nosso.
- Eu estarei lá com você.
Ele tinha resposta para tudo...
- E eu serei o pai chato, o que cobra, o que dá bronca e você será o pai legal, isso é certeza, o que brinca, que tá sempre ali nas horas divertidas. Você não consegue chamar atenção de uma criança. O seu sobrinho vem aqui, sobe na cortina, quase bota fogo na casa e você não fala nada.
- Ele é uma criança, tem bastante energia, o que eu posso fazer?
- Essas coisas vão sobrar para mim. E, além disso, você sabe que não é fácil adotar uma criança no Brasil, ainda mais para dois homens.
- Amor – ele disse se aproximando e tentando me abraçar – Imagina uma menininha linda, você trançando o cabelo dela, ensinando a se maquiar.
- Você nem sabe se ela vai gostar de maquiagem. Aí, você já vai educar enfiando na cabeça da criança um monte de imposições de gênero. Ela vai brincar só de boneca também e não vai poder jogar futebol?
- Claro que não, ele ou ela vai poder ser o que quiser, não vejo problema de menino brincar com boneca. Nós dois sabemos que não é isso que define sexualidade. Quem é já nasce.
- Esse mundo é uma loucura, como ensinar valores sociais, tornar ele ou ela em uma boa pessoal. Tudo isso me assusta.
Ele me abraçou, se aconchegando mais ainda
- Calma, relaxa, nós estaremos juntos.
- Você já tomou a sua decisão pelo jeito com esse "nós", sem esperar a minha resposta. Eu nunca pensei em ser pai, nunca passou pela minha cabeça, nem biologicamente nem adotando. Eu sempre pensei em mim, exclusivamente em mim, e ter um filho é diferente, eu preciso pensar em um outro serzinho antes. As minhas escolhas não só me afetarão, terá alguém pelo qual eu serei responsável por amparar e estar presente em todos os momentos.
- Eu tenho certeza que você será um pai incrível.
- E se nos separarmos, me diz? Como que vai ficar a criança?
- Mas nós não vamos nos separar. - Ele sorriu.
- Fico aliviado que você não me inventou de arrumar uma barriga de aluguel.
Ele meneou a cabeça e disse:
- Acho que não é uma má ideia. – Lhe dei um tapa de leve e ele me beijou.
- Eu não vou te pressionar, isso precisa ser uma escolha nossa, em conjunto. Se você não tiver preparado, tudo bem. Nós já temos a Manga. – Ela miou ao ouvir o nome dela. – Já somos uma família completa. Mas se der certo, eu vou ficar feliz, porque eu quero ser pai com você. Foi para você que eu disse sim, lembra?
Balancei a cabeça concordando. Ele sempre conseguia me acalmar com uma voz mansa.
- Eu só te peço – ele continuou – para irmos em um orfanato juntos, para vermos algumas crianças, quem sabe nos apaixonamos por alguma delas.
Balancei a cabeça concordando novamente e ele me beijou. Ainda não estava pronto para ser pai, mas adotar seria incrível, mudar a história de uma criança. Nos dias seguintes, estava eu no carro, olhando a paisagem enquanto nos encaminhávamos para o orfanato que ele havia me pedido para visitar até que o carro parou em um estacionamento:
- Pronto? – Ele perguntou, um sorriso de um canto a outro.
Desci do carro e ouvi o som das crianças brincando em um pátio...
Olá, o que acharam do capítulo? Espero que tenham gostado! Se gostou, deixe o seu voto e comentário, isso é muito importante para mim. :)
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Crônicas de um mundo gay
Short StoryHistórias do dia a dia que poderiam acontecer comigo, com você ou com qualquer pessoa no mundo gay.