Mistaken

Capítulo 2

Novo dia, mesmo objetivo, encontrar uma agulha num palheiro, que por sua vez nem sei se foi este o palheiro onde ela caiu.

Apresso-me para chegar ao local onde iam decorrer as audições a horas. No convite que encontrei no armário dela dizia que as audições começavam às 9.00h por isso, alugo novamente uma bicicleta para ir para lá.

Quando chego vejo um montão de bailarinos e bailarinas a alongarem, todos bastante focados. A Lisa também é assim sempre que vai fazer alguma audição. Lembro-me de a acompanhar a várias quando éramos mais novas e ela ainda não tinha carta nem autorização dos nossos pais para ir sozinha... Ela ficava sempre num canto a ouvir música com fones enquanto alongava. Depois, comia um chocolate enquanto aguardava pacientemente a sua vez. Sempre a admirei por isso. Enquanto no dia a dia ela era uma bola de fogo, sempre na brincadeira e sem responsabilidades, quando se trata do ballet ela sempre foi o oposto, mas também, o Ballet sempre foi a sua grande paixão.

Olho ao redor entre todos os bailarinos mas nem sinal da Lisa. Se calhar é melhor assistir às audições. Também não me adianta ir chateá-la antes da sua audição... É melhor evitar algum confronto até depois de ela ter atuado.

Apesar de não haverem muitas pessoas na audiência do Amesterdam Dance Center, sento-me nos últimos lugares a assistir.

As audições começam e a música clássica remete-me para o meu tempo com a Lisa. Muito do nosso tempo livre era passado juntas. Enquanto eu ficava sentada a ler ou a ver algo no computador, a Lisa passava horas e horas a aperfeiçoar os seus sapatos de pontas. A música clássica sempre foi uma constante, pelo que, atualmente só conseguia desfrutar de algum livro se tivesse alguma música de fundo enquanto lia.

Os sapatos eram outra história. Apesar de serem vendidos em moldes praticamente iguais, os sapatos de dança variam de bailarino para bailarino. Cada pessoa tem a sua rotina ao receber sapatos novos para os adequar ao seu pé e ao seu estilo. A Lisa passava horas a cozer as tiras para os apertar à sua medida, a dar cabo da sola para não escorregar tanto e ser mais fácil ao dançar, a "partir" a ponta para que quando estivesse na típica posição de ballet em pontas, fosse mais confortável para os seus pés. Após algumas horas, uns sapatos que estavam novinhos em folha pareciam que tinham sofrido horas e horas de treinos... Mas para ela era assim que eram perfeitos.

Discretamente limpo uma lágrima que escorreu ao lembrar-me destas memórias.

O dia é passado a ver audições mas infelizmente, nenhuma delas era a Lisa...

Ai Lisa, onde andas tu?

✈✈✈✈✈

No dia seguinte, dia de regresso a casa, continuo no mesmo ponto em que estava antes desta viagem. Vi bastante de Amesterdão mas nada da Lisa.

Visitei todos os locais do roteiro que ela tinha feito, assisti a todas as audições da companhia de Ballet, mas nada disso me deixou mais próxima de encontrar a minha irmã.

Faço o check-out do hotel e arrasto a minha mala para a rua, para chamar um uber que me leve para o aeroporto.

A minha barriga começa a fazer barulho. Estou cheia de fome! A verdade é que não comi grande coisa durante esta viagem... Decido então entrar num café e pedir alguma coisa. Ao contrário da grande maioria dos cafés que encontrei nesta cidade, quase tudo ali estava escrito em holandês. Lá consigo pedir um sumo e uns brownies de chocolate para comer enquanto o uber não chega, através de gestos. Há que amar a língua gestual. Não me refiro à língua utilizada com pessoas que não falam ou que não ouvem... O símbolo do dinheiro é universal!

Sento-me numas escadas à frente do hotel enquanto espero pelo uber e começo a comer.

O que vou fazer eu agora?  Esta viagem não me ajudou em nada, e ainda por cima fiz dois voos do que parece um milhão de horas, atravessei o Atlântico para nada...  Estou sentada numa rua suja de Amesterdão, desmotivada, com fome, e sem notícias da minha irmã.  O meu telefone vibra novamente e vejo que o meu pai me está a ligar pela milésima vez desde que cheguei mas decido ignorar novamente a chamada dele.