Eu parecia estar mais desconfortável em estar encarando o corpo estremecido do Doutor Calebe, do que o próprio. O homem tinha entrado em estado de choque assim que Rudy o arrastou banheiro a fora e ele viu os restos mortais ensanguentados de sua filha em cima da mesa. Ela se chamava Nádia. Sua irmã Kyara permanecia no canto da sala em silêncio. Ela não chorava mais, apenas prestava atenção em toda a movimentação dos adultos.
- Bem, amigos reunidos... Hora de relembrar os velhos tempos, não é? - Rudy iniciou seu discurso. - Você sumiu Dood. Sumiu por muito tempo. Passamos seis anos te procurando. E se quer saber, você está até bem melhor do que a última vez que te vi. Nós éramos uma equipe. Éramos importantes nomes da ciência, lutando por um bem comum. Homens covardes invadiram o nosso laboratório, contaminaram a todos. Por sorte eu havia sido transferido cerca de duas semanas antes. Por pouco eu não teria morrido também. Mas por algum motivo você não teve o mesmo destino que eles. Você... Você virou isso. E não considere isso uma maldição Dood. Toda gama de poder vem junto com uma gama de deficiência. Já deve ter notado que está mais forte, mais ágil.
As informações começavam a se encaixar em minha mente. Eu lembrava do laboratório. Lembrava de soldados gritando com armas em punhos. Lembro-me de roupas com uma enorme suástica vermelha em uma das mangas. Pude sentir novamente a dor daquelas agulhas furando meu corpo, e o conteúdo amarelo da seringa ser transferido para minha corrente sanguínea. O discurso de Rudy não havia terminado.
- A guerra nos afetou. Com o fim da nossa base e o início dessa minha nova dieta, os oficiais insistiam em dizer que eu não era mais o mesmo. Pobres mentes pequenas. Carne é carne. A do boi, a da galinha, a do rato, a do cachorro, e porquê não a do ser humano? Bom te reencontrar e saber que você me compreende Dood.
De um importante cientista à um pedaço de carne podre. Naquele momento comecei a me lembrar o quanto eu odiava a guerra e principalmente o ser humano. Os malditos nazistas haviam me transformado em um monstro. Continuei a ouvir Rudy.
- O governo pediu que eu me consultasse com um psicólogo para que eu me "curasse". O Doutor Calebe cuidou de mim nesse tempo em que você esteve longe, não é mesmo doutor? - Rudy passou as costas da mão no rosto de Calebe. - Mas infelizmente depois de muitas sessões e confiança depositada, descobri que os planos do doutor eram outras.
O celular de Rudy tocou. Devia ser importante; ele se levantou e atendeu. A distância e a diminuição do seu tom de voz não impediram que eu ouvisse a conversa.
- Alô? Sim, já o encontrei... Eu não posso... Tem certeza? - Rudy me olhou por alguns segundos. - Vocês deviam ter me avisado antes! Merda!
Ele parecia estar descontente com seja lá quem for que estivesse falando com ele. Rudy agarrou o braço do Doutor Calebe e o puxou enquanto falava comigo.
- Precisamos sair daqui Dood!
Ele saiu com tanta pressa arrastando Calebe pelo corredor que não tive tempo de questionar. Apenas o segui. Os lances de escada que foram subidos em quase vinte minutos, agora, foram descidos em menos de cinco. Nós três entramos no carro.
- E a família do Doutor? – perguntei.
- Não é mais problema nosso – Rudy respondeu com uma fria seriedade.
Mal havia terminado sua frase ouvi um monstruoso estrondo e um clarão. Olhei para o alto e pude ver a enorme bola de fogo que consumia o apartamento do Doutor, enquanto os estilhaços de caiam por sobre o carro. A última coisa que vi antes de Rudy arrancar, conforme um helicóptero focava seu holofote em nós e nos perseguia, foi uma pequena bola de fogo, correr até um beco, onde sua luz desapareceu em segundos.
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PARADOXUM
TerrorImagine-se acordando em meio a sacos de lixo e, para seu espanto, percebe que o cheiro de carne podre não vem dos restos ao seu redor, mas do seu próprio corpo. Acompanhe a peculiar história do homem que um dia acordou e descobriu estar apodrecendo...