Prólogo

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Eram quase seis horas. A brisa da tarde soprava pelas portas, trazendo um cheiro de rosas e lilases. A luz do pôr do sol entrava pelos finos vitrais, banhando o salão em branco e dourado. Os cantores e poetas diziam que meia-noite era a hora dos amantes e dos corações ardentes. Mathew discordava. Para ele, a hora dos amantes era entre cinco e meia e seis horas, quando a luz do sol transformava o castelo no interior de um prisma.

Ele andava sozinho pelos corredores, como sempre fazia a essa hora. O castelo não tinha muitos habitantes, portanto Mathew se acostumara ao silêncio, à solidão e às borboletas azuis que por vezes entravam pelas janelas. Já ia subindo as escadas até o seu quarto, preparando-se para ir dormir, quando ouviu uma vozinha baixa, vinda da varanda. Sorriu silenciosamente. Às vezes, era terrivelmente fácil esquecer que ela estava ali.

A garota estava sentada em um pequeno divã entre os vasos de flores, tão encolhida que poderia ter passado despercebida. Usava um vestido simples de seda azul, e uma única rosa branca nos cabelos. Ela cantava uma melodia triste, que Mathew ouvira apenas umas poucas vezes.

"Cantando sopra o vento,

Soprando o orvalho da noite.

Quão doce os ventos sopram,

Cantando pra lua de leite."

Ela parou de cantar quando o percebeu ali, e o encarou com aqueles grandes olhos azuis. Seus olhos estavam avermelhados, como se estivesse chorando há algum tempo.

- Desculpe, não queria interrompê-la – disse Mathew, fazendo menção de ir embora, mas ela sacudiu a cabeça.

- Tudo bem, eu estava apenas.... Pensando. Seria bom ter um pouco de companhia – ela se esforçou para sorrir. Mathew a conhecia bem o suficiente para saber que algo a preocupava.

- O que está fazendo aqui fora? Vai acabar pegando um resfriado com esse vento. E eu teria que encontrar mais alguém para cantar comigo – Mathew gostava de tocar seu violino enquanto ela cantava. Às vezes, ela se levantava e dançava alegremente, rodopiando descalça entre as rosas do jardim.

A garota, entretanto, não respondeu. Apenas fungou e abraçou os próprios joelhos, observando o sol se pôr. Mathew sabia que havia algo errado, mas ainda não sabia dizer o que era.

- Eu vi o seu baú, do lado de fora da porta – ele comentou, sentando-se ao seu lado – Vai a algum lugar?

Ela viajava com frequência, às vezes por alguns dias, às vezes por uma semana ou mais. Tinha um espírito incrivelmente curioso, impossível de ser contido entre os muros do palácio. Mathew oferecia todas as condições para que ela fosse onde quisesse, mas raramente a acompanhava. Não havia muitos lugares em que alguém como ele pudesse andar livremente, sem atrair a atenção de todos ao seu redor.

Mas ao ouvir isso seu rosto se escureceu, e ela pareceu relutante em lhe dizer alguma coisa. Não havia nenhum vestígio da alegria com que ela anunciava suas excursões. Com voz baixa e suave, ela disse:

- Eu vou embora amanhã de manhã. E não vou mais voltar.

Por alguns instantes terríveis, aquela frase pairou no ar. Mathew sentiu o peito apertar, e foi capaz de gesticular apenas duas palavras.

- Por quê?

- Mathew, eu já causei problemas demais a você. Sabe disso – ela tinha um tom frio e calmo, mas Mathew percebeu o tremor em sua voz – Você estaria melhor se eu apenas fosse embora.

- Ei, não diga isso – Mathew chegou mais perto e segurou o rosto dela para encará-la nos olhos– Ouça, você foi a melhor coisa que já me aconteceu. Se não fosse por você, eu sequer estaria aqui. Como pode supor que a quero longe?

Seus olhos umedeceram, mas ela não deixou cair uma lágrima sequer. Desviou o olhar, segurando as mãos dele entre as suas.

- Não haja como se eu fosse uma boa pessoa. Meus inimigos vão continuar me perseguindo, não importa onde eu esteja. Enquanto eu estiver aqui, só haverá problemas. Para nós dois.

- Mas o que acontecerá com você se for embora? Para onde iria?

- Isso não importa. Pelo menos saberei que você está seguro, e eu...

- Estaria sozinha – ela fechou os olhos e suspirou - Você não precisa fazer isso sozinha. E não se preocupe comigo. Eu jurei que a protegeria, lembra?

Por um minuto, Mathew achou que ela fosse se esconder atrás de uma máscara de indiferença, como sempre fazia quando tocavam nesse assunto. Mas, pela primeira vez, ela olhou nos olhos dele e pareceu sincera ao dizer:

- Eu só.... Estou com medo, sabe. Estou me sentindo profundamente feliz aqui com você, e isso me assusta muito. Geralmente, só nos deixam ser felizes assim quando vão nos tirar algo – ela suspirou, parecendo um pouquinho mais tranquila – Eu sei que é bobagem.

- Não é bobagem – disse Mathew, carinhosamente – Mas vamos pensar sobre isso mais tarde. Vou preparar um chá para você, para espantar esse frio. Que tal?

Ela concordou com um sorriso frágil, e levantou-se para ir com Mathew até a cozinha.

Nenhum dos dois soube dizer ao certo em que momento perceberam que havia algo errado. Mathew foi o primeiro a notar algo estranho, porque de repente parou e encarou fixamente os portões do castelo. Um som assombroso, tal qual o rugir de um monstro, espalhou-se por toda a mata ao redor, fazendo os pássaros fugirem e o sangue da garota gelar nas veias.

- Tem algo no portão – ela disse, quase involuntariamente. Apertou as duas mãos contra o peito, tentando parar de tremer – O que você acha que é?

- Não tenho certeza – Mathew pousou a mão sobre o ombro dela, sua longa capa protegendo-a da vista de quem quer que estivesse lá fora – Fique aqui, vou descobrir quem é.

- Não, pode ser perigoso! – ela baixou o tom, o terror estampado em seu rosto – Seja lá quem for, pode ser que esteja aqui por minha causa.

- O que é apenas mais um motivo para você esperar aqui.

- Mathew, por favor, pare – ela disse suplicante – Não posso deixar que faça isso. Não posso ver você se machucar por minha causa.

- Está tudo bem, eu não vou me machucar – a garota sabia que ele não iria ceder, não agora. Ela suspirou pesadamente.

- Pode me prometer isso? Promete que vai voltar são e salvo?

- Prometo – ele disse, e sorriu gentilmente. Logo depois, lhe deu um beijo no topo da testa e saiu, descendo as escadarias.

A garota permaneceu na varanda num ponto escondido, assistindo enquanto Mathew se distanciava mais e mais. A noite o envolveu com suas garras sombrias, até que ele desaparecesse completamente na escuridão.

                                                                     ***

As Flores de JunhoOnde histórias criam vida. Descubra agora