Parte 2

3 0 0
                                    

Ao longe, um sino tocou. Um sino de Igreja, Karsten pensou, ou talvez de um monastério. O céu ao seu redor tinha uma coloração estranha, de um laranja que beirava o dourado, deslumbrante como todos os sonhos costumam ser. Karsten caminhava sem conseguir sair do lugar, quando de repente ouviu alguém dizer:

- Por favor, me diga... Eu preciso saber.

Era uma voz de garota, vinda de trás. Quando Karsten virou-se viu duas sombras humanas, que conversavam entre si sem notar a sua presença. A sombra mais alta, de costas para a outra, falou:

- Se eu lhe contasse você me deixaria. E não posso correr esse risco; não posso perder você.

- Você vai me perder apenas se não contar a verdade.

Karsten viu, com um misto de confusão e interesse, a sombra alta dar um passo, dando a entender que iria embora, para então voltar e dizer algo ao ouvido da sombra menor. Por algum tempo, Karsten pôde ouvir apenas os sussurros distantes, sem entender uma palavra sequer. Ainda assim, percebia que o discurso era feito sob grande emoção. De repente, a sombra menor saltou ao pescoço da outra e a beijou ternamente.

- Minha menina, não sabe o que faz – disse a sombra alta, com pesar – Como pode beijar-me depois de tudo o que lhe contei? Não se envergonha de mostrar compaixão para comigo? Não tem medo de mim?

- Oh, meu amor! Como deve ter sofrido... Aqui sozinho, por tanto tempo... – essas palavras foram ditas com uma doçura e uma tristeza quase palpáveis. A outra sombra tomou suas mãos entre as dele. Karsten sentia algo frio e molhado em sua perna.

- Então é verdade? Oh, diga-me! Por favor, diga que não me abandonas...

Um arrepio súbito fez Karsten acordar desse estranho sonho. Pôs-se de pé rapidamente, e logo percebeu que a chuva invadira seu abrigo improvisado, deixando-o ensopado.

"Que bela maneira de começar o dia", pensou mal-humorado. Convencido a não perder mais tempo, guardou suas coisas e montou no cavalo, pondo-se a caminho do castelo. Calculava que, se fosse rápido, chegaria à manhã seguinte ao ponto que o mapa indicava. Não havia tempo para pensar em sombras misteriosas ou sonhos estranhos.

Depois de quase metade do dia cavalgando, Karsten atravessara morros, vales, densas florestas e um rio furioso, pelo qual passou com a água na altura dos ombros. Por fim, quando o sol estava para se pôr, chegou a um pequeno vilarejo cercado de plantações de trigo.

Diferente de sua antiga aldeia, aquele vilarejo parecia alegre e cheio de vida. Fumaça saía das chaminés, alguns camponeses terminavam de ceifar o trigo e crianças corriam pela terra, usando varetas para girar velhas rodas de madeira. Olhando de perto, Karsten percebeu que um curso d'água passava entre uma plantação e outra, como um pequeno rio regando as plantas.

- O senhor está perdido? – perguntou uma vozinha fina, acordando Karsten de seus devaneios. Era uma garotinha, que não parecia ter mais do que oito anos – Está perdido?

- Não, pequenina. Não estou perdido – disse ele, sorrindo para a garota - Sou um cavaleiro, e estou aqui apenas de passagem.

- O senhor é um cavaleiro? – os olhos da garota brilharam de excitação.

- Sim, e estou em uma missão muito importante.

- O quê? Ele disse que é um cavaleiro? – disse um garoto atrás dela. Então apareceu mais um, que tentou puxar sua espada para ver se era de verdade – Incrível, eu nunca havia visto um de verdade antes.

Em questão de segundos, meia dúzia de crianças surgiu ao seu redor, perguntando coisas como "Você já salvou alguma pessoa?", "O senhor conhece o rei?", "Já matou algum monstro?", " Pra onde está indo agora?"

As Flores de JunhoOnde histórias criam vida. Descubra agora