As Flores de Junho

Parte 4

Karsten chegou no castelo ao anoitecer, e logo percebeu que havia algo estranho naquele lugar. Para começar, o castelo não era nada daquilo que Karsten imaginara. Não havia ossos apodrecendo nos portões, nem rios de sangue correndo pelos muros. Também não havia nenhum indício de que uma fera se escondia ali.

Muito pelo contrário: detrás dos muros de concreto e do portão enferrujado havia um belo jardim, pavimentado com pedras de cor clara. Rosas brancas, perfeitas demais para serem rosas selvagens, haviam sido plantadas. Entre as rosas, dezenas de borboletas azuis voavam . Uma cortina lilás esvoaçava para fora de uma janela aberta, como se alguém houvesse se esquecido de fechá-la.

De jeito nenhum parecia o esconderijo de um monstro. No entanto, Karsten sabia que aquele era o lugar. Aquele tinha de ser o lugar. Não havia outros castelos nas redondezas a não ser aquele, e Karsten certamente não sairia dali sem Rosamund.

Cautelosamente, empurrou o portão e entrou. Cada passo ressoava como uma martelada no ar, e Karsten parecia ser o único ser vivo num raio de pelo menos um quilômetro. Ele espantou uma borboleta que pousara em seu cabelo, e em meio às rosas, gritou:

- Feras, monstros e seres da noite, vim aqui para desafiá-los! Quem de vocês tiver coragem, venha até aqui e me enfrente! Estou aqui para fazer justiça pelos crimes que cometeram.

Por um tempo que pareceu longo demais, suas palavras ecoaram no silêncio. No entanto, quando se preparava para avançar e adentrar o castelo, ouviu algo. Um som, a princípio baixo e distante, mas que Karsten logo distinguiu como passos se aproximando. Deu um passo para trás e sacou sua espada. Os portões se abriram lentamente, mas o que Karsten viu certamente não era o que esperava.

Primeiro, pareceu ser um homem, e pelas roupas e pelo andar vagaroso, devia ser um nobre. Usava uma camisa alvejada com as mangas dobradas até os cotovelos e uma capa de arminho preto, preso ao ombro por um pingente de prata. Quando chegou mais perto, porém, Karsten viu que seus braços eram cobertos de listras vermelhas, tais quais escamas. Seus longos cabelos ruivos balançavam no vento, e Karsten podia jurar que viu um par de presas despontarem de seus lábios.

Ele era belo, mas certamente não era humano.

Ele continuou se aproximando, até chegar tão perto que Karsten teve de dar um passo atrás para permanecer de pé. Seus olhos felinos eram dourados e brilhantes, como dois pingentes de ouro.

- Você veio até aqui por ela? – foi só o que disse. Karsten engoliu em seco e se obrigou a dar um passo à frente.

- Sim.

- Saiba, então, que terá de passar por sobre o meu cadáver para levá-la desse castelo – Fazendo um enorme esforço para não tremer, Karsten levantou sua espada e apontou para o rosto dele. A fera manteve seus olhos fixos nos dele, como se nem visse a lâmina a centímetros do seu pescoço.

Ele apenas desviou da espada e começou a caminhar na direção oposta do castelo. Karsten o seguiu até o portão enferrujado, confuso. Ele estava fugindo ou algo assim? Mas, depois de ter avançado alguns passos, a forma dele começou a se modificar. Seu corpo começou a se expandir e se mover de um modo estranho. De suas mãos, algo pareceu rasgar seus dedos para que se tornassem longas garras. Sua pele tornou-se escura e escamosa, e de suas costas despontou um par de asas espinhadas. Karsten assistiu com horror àquela cena, o medo crescendo e crescendo conforme percebia o que ele estava se tornando.

Negro e vermelho contra o céu noturno, com asas que chegavam a trinta metros de largura, o homem acabava de se transformar em um terrível dragão.

Karsten saltou para o lado no instante em que sua cauda serrilhada caía para esmagá-lo. O dragão rugiu, um som que parecia rasgar o ar, e veio correndo em sua direção. Karsten levantou a espada, mas não conseguiu conter o golpe que o arremessou para longe.