O zumbido atravessava sua mente, não permitindo que ela ouvisse nada.
O peito ardia de tanta dor, e o único sentido que parecia funcionar era o olfato, dado a percepção do cheiro de queimado imperando no ar.
Vagarosamente e com dificuldade, ela conseguiu abrir os olhos. O clarão aos poucos foi tomando espaço e forma em sua visão, até que finalmente ela percebeu o air-bag ativado e o volante logo a frente.
Sentiu o corpo latejar e algo molhava sua face. Encostou os dedos no local da ardência, logo acima de sua sobrancelha e sentiu a dor instantânea. Gemeu em reprovação, e afastou a mão, notando a grande mancha de sangue que coloria os dedos trêmulos e gélidos.
Sentindo o corpo pesar, ela percebeu que seus cabelos estavam seguindo a direção da gravidade, e involuntariamente prendeu a respiração ao se dar conta de que estava de cabeça para baixo.
O pânico começou a dominá-la, mas ela sabia que aquilo poderia acontecer. Com os pensamentos trabalhando a mil por hora, Yuna levou a mão trêmula até o dispositivo que prendia o cinto, se preparando para a queda iminente.
Assim que ouviu o clique, seu corpo foi brutalmente jogado para o teto do carro – que estava em contato direto com o chão. Levantou a cabeça, e observou ao redor, sorrindo debilmente para a parte onde deveria existir uma janela – que agora eram cacos de vidros espalhados no asfalto.
A sensação do zumbido no ouvido ia embora à medida que se arrastava lentamente para sair do carro, pouco ligando para os rastros de vidro que marcavam a sua pele em pequenos cortes.
Valeria à pena, ela sabia. Ela simplesmente sabia.
Já estava com a metade do corpo para fora quando alguém chegou correndo, exasperadamente.
"Moça! Céus, você está bem? Está ferida?" Ela só via os sapatos pretos e a calça jeans escura, mas sorriu quando o rapaz se abaixou para ajudá-la. "Vamos, eu vou tirar você daqui!"
Os cabelos escuros eram os mesmos. O rosto de traços fortes também.
Mas o olhar era intenso, urgente, e principalmente... vívido.
Ela sorriu novamente, sentindo seu corpo ser erguido com facilidade pelo rapaz.
"Você consegue me entender? Está muito ferida?"
Ela não foi capaz de responder, pois foi acometida por uma sessão de tosse, que ocasionou num cuspe de sangue. Ela conseguiu levantar o olhar para o rapaz, que olhava para si, desesperado.
Ela estava com o braço direito sob seus ombros, quando ele se abaixou e a pegou no colo, caminhando depressa para um lugar seguro, longe dali.
Pouco a pouco o cheiro de queimado foi ficando para trás, e ela começou a ouvir pessoas berrando, passos acelerados... Ela olhou ao redor, e apesar da vista não estar 100%, percebeu os vultos correndo para longe dali, assim como o rapaz fazia consigo.
"Eu já liguei para a ambulância, já estão vindo!" Ele exclamou quando a colocou sentada em um banco do outro lado da rua, distante o suficiente para o carro se tornar uma visão turva atrás dos ombros do rapaz.
Uma aglomeração formou-se em volta dos dois, e ela encarava tudo com muita confusão, volta e meia sentindo os olhos vacilarem.
"Abram espaço! Deixem-na respirar!" O jovem bradava, fazendo as pessoas se afastarem, com os rostos amedrontados pela cena que viam. "Alguém tem água? Eu preciso de água!"
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Bendição
SpiritualA peça de xadrez. A borboleta azul. O destino. Ele era um jovem bonito, alto, cabelos longos, cacheados e negros, e um pouco mais velho que ela - não mais que quatro ou cinco anos. E a imagem de seus olhos abertos, sem vida, encarando-a, não saía de...