Capítulo 3

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Quando se deu conta, os dedos estavam enrugados e a água já estava fria. Fazia tanto tempo que não tomava um banho longo daqueles – e que não se permitia pensar naquelas memórias. Apesar de sempre trazer alguma dor, lembrar-se daquela traumática noite de dois anos atrás já não era tão difícil assim.

Depois dele, outras pessoas foram salvas, algumas não. Aquilo não significava a banalidade da vida, e Yuna começava a entender que de alguma forma, uma perda de um paciente sempre doeria – mas ela focaria ao máximo no quanto poderia ajudá-los, e pensava ao olhar para as borboletas em seu braço, que sempre decidiria pela vida toda vez que uma borboleta pousasse em suas mãos. E aquilo já era algo valioso para si.

Colocou uma velha roupa de dormir e se posicionou diante da pia para escovar os dentes. Quando estava prestes a colocar a escova na boca, ela viu pelo reflexo do espelho um vulto preto no canto do banheiro, atrás de si.

Deu um pequeno grito e se virou instantaneamente, não encontrando nada além do azulejo branco da parede. Com a mão no peito, respirou fundo e balançou a cabeça, tentando se acalmar e voltar ao normal. Estava exausta do último plantão, e deveria descansar. Ao terminar de escovar os dentes, enxaguou a boca e guardou a escova no lugar. Mas ao erguer a cabeça da pia, sua respiração parou diante das palavras que jaziam no espelho embaçado:

"AINDA HÁ TEMPO. SALVE-O."

Yuna estava boquiaberta com o que estava vendo. Não acreditava naquilo, como é que poderia ser real? Teria alguém invadido sua casa, feito um tipo de brincadeira sádica consigo?

Conseguia se lembrar perfeitamente de trancar a porta, não lembra de ter deixado a janela aberta.

Estava a ponto de virar o apartamento de cabeça para baixo quando encarou novamente o espelho, e nele já não havia mais nada. Estava embaçado como um espelho normal estaria, sem nenhuma palavra escrita, nenhuma mensagem oculta.

Ela piscou inúmeras vezes antes de se permitir respirar novamente.

Definitivamente precisava descansar.

***


O alarme foi desarmado sem que ele tocasse. O relógio marcava 5:57 e Yuna sentou-se na cama sem precisar do despertador. Ela juntava forças para levantar-se da cama – faziam três dias que não dormia direito, e quando conseguia descansar, era arrebatada por sonhos similares ao que tivera dias atrás.

Como estava muito cedo, Yuna se permitiu sentar próximo à janela e observar o nascer do sol. Estava com os braços cruzados em cima do batente, com o vidro aberto, sentindo a brisa gelada da manhã.

O céu pouco a pouco se iluminava, e aquele momento do dia acabou se tornando um de seus favoritos diante dos últimos tempos, nos quais a insônia sem motivos fazia presença. Estava com a cabeça deitada nos braços, como uma criança que assiste à um espetáculo, e após os primeiros raios solares brotarem no céu, Yuna sorriu levemente.

Não sentiu os olhos fecharem, nem percebeu que adormeceu, até que despertou no susto, quando um corvo apareceu bem diante de si, berrando.

O susto foi tão grande que a médica caiu para trás, e espalmou as mãos no chão, ofegando ao encarar o animal que a olhava de volta. Ela devia correr e fechar a janela? Deveria espantá-lo? Deveria pegar um cabo de vassoura e tentar tirá-lo dali?

Nada disso foi preciso. A ave apenas ficou alguns segundos, antes de alçar novo vôo para longe dali. Yuna ainda tentava se recuperar do susto, e foi até a janela, se apoiando no batente da mesma para tentar achar o corvo no céu.

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