Capítulo 1

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Alaska

Acordei subitamente e meus pulmões pareciam estar em chamas. Em desespero, eu tentava, sem muito sucesso, puxar o ar para dentro de meus pulmões fumegantes. Essa horrível sensação fazia com que, cada vez mais, eu desejasse a morte.

Tudo aconteceu tão de repente... Mal pude notar a enfermeira encaixando o aparelho sobre o meu rosto - o que me ajudou a respirar melhor. Em pouco tempo, já estava com a respiração calma e meu coração voltava a bater em um ritmo pacífico.

-Vejo que sua crise passou mais rápido que o normal, não é mesmo, Fisher? - comentou o doutor Smith anotando algo em sua prancheta. - Acredito que logo, logo você sairá daqui. - Assenti com delicadeza, não encarando-no diretamente nos olhos. - E, boas notícias: você poderá receber visitas a partir de hoje. Inclusive sua namorada, Sayori, virá hoje.

-Ela não... - tentei corrigir, mas fui incapaz de completar a frase.

Sayori é minha melhor amiga de infância e também a única que eu tenho. Nossas famílias são amigas há muito tempo. Crescemos como irmãos e fazemos tudo juntos. Não sei o que eu seria sem ela. "Acho que seria um garoto solitário, ou talvez apenas um fantasma".

***

-Sentiu minha falta, senhorita? - perguntei com a cabeça inclinada levemente para esquerda com um pequeno e falso sorriso nos meus lábios, olhando em direção a Sayori, que me procurava de um modo quase desesperado. Notei que segurava, desajeitadamente, uma tela, um cavalete e uma bolsa.

Quando nossos olhos se encontraram, pude ver as lágrimas ameaçando a cair de seus olhos castanhos escuros. Ela cobriu a boca com uma das mãos e respirou fundo, tentando não chorar. Ela falhou.

Sayori largou o que estava segurando, ocasionando um estrondo - alto demais para um hospital, eu diria - e veio em minha direção o mais rápido que podia para me abraçar.

-E-Eu... senti tanto a sua falta... Por favor, não faça isso comigo de novo... - Implorou, em meio aos soluços. Retribuí o abraço o mais forte que eu conseguia, o que não era muito.

-Sinto muito, senhorita. Eu não queria te preocupar. - ela me soltou. Vi uma lágrima cristalina escorrer por sua bochecha. Eu limpei-a com meu polegar. - Quer ir para sala de recreação? - ela assentiu.

Sayori chamou uma enfermeira para ajudar-me a ir para cadeira de rodas - pois eu estava fraco demais para ir a qualquer lugar andando - e fomos para a sala onde nós, os internos, ficávamos para nos distrair. Podemos escolher um dos livros velhos para lermos, jogar xadrez com algum desconhecido ou tocar piano. Óbvio, se você souber tocar.

A sala estaria vazia se não fosse pelo casal de idosos jogando xadrez em uma das mesas. Os movimentos deles eram lentos e trêmulos. Adorável.

-Obrigado por me trazer os materiais de pintura.

-De nada, "Fisher". - ela piscou um olho para mim, me chamando como a maioria das pessoas me chamam: pelo sobrenome. Sinceramente não sei porque elas me chamam assim. Talvez tenham medo do meu nome. - Certo, agora eu tenho que te atualizar sobre TU-DO que aconteceu nesses últimos dois meses...

E ela começou a falar e não parava. Falou sobre uma garota (que eu não lembro o nome) que era da nossa turma no primeiro ano que engravidou acidentalmente de outro cara que eu não me importei o bastante para guardar o nome. Disse que tudo estava chato sem mim, pois, mesmo que ela tenha outras amigas, eu sou "o melhor". Contou também sobre um artista que - pasmem - eu não sei o nome, que havia lançado uma música nova e etc.

Enquanto isso eu olhava para minha tela em branco pensando no que eu poderia pintar. Minha mão débil segurando o pincel com a ponta molhada de tinta azul celeste. Talvez eu desenhasse, pela milionésima vez, a colina que ficava em frente ao hospital, da qual eu tinha uma vista perfeita.

-O que posso desenhar? - murmurei, não esperando que ela ouvisse.

-Me desenha! - mas ela ouviu.

-Acho que vou desenhar aquela colina...

-De novo? - ela pegou algumas flores que estavam num vaso de vidro transparente e começou a trançá-las para, provavelmente, fazer uma coroa de flores.

-Sim. - ela deu de ombros.

Antes de eu dar a primeira pincelada, olhei novamente para minha mão, que carregava o pincel. Minha mão pálida, magra, com unhas quebradiças e frágeis. Larguei delicadamente o pincel e estiquei meus dedos. Raquíticos. Magricelos. Pequenos.

E não eram só meus dedos que estavam assim: minhas pernas, meus braços... Era possível ver minhas costelas. Sempre fui pequeno e magro, mas agora pareço uma criança com AIDS.

-Alô! Terra chamando Alaska! Não vai pintar? - disse Sayori, balançando sua mão na minha frente e segurando uma coroa de flores com a outra.

-Ah, vou sim, só estava... distraído.

-Clássico. - ela fez uma pausa curta. - Olha o que eu fiz! - Sayori sorriu.

-Bonito.

-Você vai usar. - arqueei uma sobrancelha. - E você não tem escolha.

-Certo. Aceito o meu doloroso destino. - disse, sarcasticamente. Ela riu, revirou os olhos e colocou a coroa de flores no topo da minha cabeça. - Agora sou o rei das flores ou coisa parecida?

-Sim. - disse ela rindo de leve.

Voltei a pintar meu quadro e ela voltou a tagarelar sobre um assunto qualquer. Acho que estava falando sobre uma banda que gostava ou coisa parecida. Mesmo não prestando tanta atenção, gostava de ouvi-la monologar. Era bom saber que ela confiava em mim para dizer qualquer coisa, mesmo que seja fútil.

Sayori parou de falar abruptamente quando um barulho metálico e agudo ecoou pela sala. Me virei para ver a origem do barulho, então me deparei com um garoto.

Eu nunca tinha visto-o na vida, mas quando nossos olhos se encontraram, meu coração acelerou e meu peito começou a doer, mas apenas ignorei a dor.

Era como se o tempo tivesse parado. Como se todos ao nosso redor tivessem desaparecido. Como se minha vida fosse uma tela em branco - e ele a tinta - minha vida ganhou cor. Como se naquele cenário silencioso, apenas ele estivesse em claro.

A coroa de flores. pensei. No mesmo instante, tirei-a da minha cabeça e voltei ao meu quadro.

E voltei à minha vida sem cor.

Flowers for AlaskaOnde histórias criam vida. Descubra agora