A Fera

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Desde o começo, Ben jamais esquecera aquele som. 

Aquele uivo terrível e fantasmagórico, como que vindo das profundezas do inferno. 

Um rugido gutural e completamente selvagem, talvez pertencente ao próprio demônio. 

E como ele poderia esquecê-lo? 

A primeira vez que o ouviu, estava com seu pai, o mais hábil ferreiro da aldeia. Ele tinha decidido caçar a terrível fera assassina que há anos dizimava os rebanhos de seu vilarejo, bem como os pastores desavisados. 

Ben insistiu em acompanhá-lo, apesar de todos os protestos de sua mãe. Mas, seu pai achou que não haveria perigo. Não com ele por perto. 

Estava enganado. Ele jamais voltou. 

Milagrosamente, Ben foi o único a escapar com vida. Suas roupas foram totalmente retalhadas, mas, por mais incrível que tenha parecido, ainda assim, ele sobrevivera. Ileso. 

Desde então, encontrar e matar aquela fera se tornou uma questão de honra para ele. Uma missão de vingança. 

Por vários anos, ele procurou pelo animal que matou seu pai e, apesar de surgirem novas vítimas de tempos em tempos, ele sempre perdia sua pista. Sempre que achava que estava se aproximando mais de seu objetivo, os rastros desapareciam misteriosamente. 

Até que, numa noite fria de inverno, a lua cheia enorme começando a surgir, em meio a um céu enevoado, clareando a floresta como se fosse dia, ele ouviu mais uma vez o uivo demoníaco.

 Correu em sua direção, decidido a pôr um fim em sua busca de tantos anos naquela mesma noite. Ou morreria tentando. 

Ao chegar numa clareira, ele avistou as pegadas. Estava perto agora. 

No entanto, elas desapareciam de repente, como se a fera tivesse evaporado em pleno ar. 

Em seguida, ele ouviu um rosnado vindo de algum lugar acima de sua cabeça. 

Mal teve tempo de perceber do que se tratava, quando algo pesado e escuro como as trevas abateu-se sobre ele, pulando do galho de uma árvore próxima. 

Ele havia encontrado a fera. Ou melhor, ela o encontrara. 

No mesmo instante, uma luta feroz se seguiu. Homem e animal, unidos num abraço mortal, do qual apenas um sairia vivo. 

Por alguns segundos que mais pareceram uma eternidade, não se sabia qual deles se ergueria para ver a luz do sol novamente. A selvageria da criatura infernal contra a determinação e a vontade ferrenha humanas. 

Então, o estampido de um tiro varou a noite. 

A fera caiu diante do homem. Morta. 

Ele tinha vencido. 

Sua vingança estava consumada. 

Apenas uma bala tinha sido o bastante para dar cabo da criatura que assassinou seu pai. 

Uma bala da mesma arma que um dia pertencera a ele. 

Uma única bala, forjada de um velho medalhão prateado que pertenceu a seu avô. 

Mas, qual não foi a sua surpresa quando, ao olhar para o cadáver da besta aos seus pés, este se "metamorfoseava" numa massa disforme, que se retorcia e murchava, assumindo lentamente uma forma humana. 

Uma forma inconfundível. A forma de seu pai! 

Mas, como? Não poderia ser possível! Ele estava ao seu lado, na noite em que eles a caçaram, quando seu pai foi... 

De repente, seus pensamentos foram interrompidos por um rugido animalesco. 

Foi então que Ben finalmente se deu conta. 

Aquele uivo inumano e bestial era o seu próprio grito! 

Naquele instante, a lua cheia surgia plena no céu, agora sem nuvens. 

Em seguida, o seu corpo começou a mudar.

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