O Elemento Fundamental

351 20 415
                                    

Numa sinistra e deserta região montanhosa, em algum lugar do Estado de Nova York, EUA, poderemos encontrar uma antiga e sombria mansão abandonada. 

Os poucos que a avistassem ousariam adentrar seu interior. Pelo menos, quem ousou tal coisa, nunca voltou para contar a história. 

Então, como essa história pode estar sendo contada, alguém se aventuraria a perguntar. 

Bem... eis aí mais um mistério a ser adicionado à lenda dessa mansão. Pois, segundo o que conta tal lenda, ela é assombrada. 

Passos lentos e arrastados ecoam por seus lúgubres corredores, indicando que o lugar não está tão abandonado quanto pensávamos. 

Seu misterioso autor desce a velha e carcomida escadaria de madeira apodrecida que dá para o andar superior, carregando um lampião para iluminar o caminho. Atravessa estreitas passagens e câmaras labirínticas, avançando com calma e determinação incomuns, como se já tivesse estado ali antes, como se conhecesse aqueles frios e tortuosos corredores há anos. 

Até se deter em frente a uma pequena escultura sobre o batente empoeirado da lareira, repleto de fuligem e teias de aranha. 

Ao tocar a cabeça da estatueta e virá-la para a direita, de repente, um som oco se faz ouvir, ao mesmo tempo que a própria estrutura se desloca na direção contrária, revelando uma passagem secreta até então oculta pela parede corrediça. 

Penetrando na escuridão do cômodo insuspeito, o estranho corcunda, de ralos cabelos brancos por sobre o crânio achatado, percorre a aparentemente infindável extensão do túnel, até desembocar numa outra sala. 

Esta, inteiramente diferente do restante do casarão, de aspecto limpo e antisséptico, rodeada por inúmeros e intrincados painéis eletrônicos, consoles repletos de botões, dials, placas de circuito integrado e telas de vídeo, faiscando eletricidade a seu redor. 

Em outras palavras, um laboratório secreto. Com um propósito mais secreto ainda. 

A não ser para o homem que já se encontrava ali, debruçado sobre uma mesa localizada no centro do aposento, onde se espalhavam várias folhas de anotações, mapas, esquemas, esboços, cadernos e livros técnicos, sobre os mais variados assuntos, usados em suas pesquisas científicas.

― Tudo pronto, Dr. Saithan! Já examinei todos os equipamentos da torre de transmissão, como o senhor ordenou! Está tudo em ordem! - declara o corcunda, quebrando o silêncio com sua voz gutural, apagando o lampião em seguida.

― Bom trabalho, Iggor! Agora, não vai demorar muito. Tudo está de acordo com o planejado! Minha experiência está prestes a ser concluída! Em pouco tempo, a maior das criações da história da Ciência irá finalmente se concretizar!

― E que criação seria esta, Dr. Saithan, se me permite perguntar?

― Como meu fiel servo e ajudante, você merece ter a honra de ser o primeiro a saber, Iggor! Trata-se de minha mais recente e fantástica invenção! O produto máximo de minha carreira como o maior cientista de todos os tempos! - e, voltando-se para um volume coberto por uma lona sobre uma plataforma inclinada, num canto afastado do recinto - o mais perfeito e infalível organismo artificial já construído sobre a face da Terra! O instrumento que me permitirá realizar meu maior objetivo. A minha ascensão como o único e definitivo governante da civilização terrestre! A partir daí, eu, Lucipher Saithan, serei o imperador de toda a Humanidade! O regente absoluto e irrefutável da espécie humana para todo o sempre!

Em seguida, uma sonora gargalhada reverbera pelas paredes metálicas do laboratório, ecoando rumo ao teto.

― No entanto, para a minha experiência estar completa, necessito de um último elemento... - disse o vilão, mais para si mesmo que para seu comparsa, deslocando-se para uma parafernália de sensores fotoelétricos, todos indicando diferentes medições energéticas, passando a ajustá-las de acordo com certas especificações, de modo a equilibrarem-se.

― E o que vem a ser esse último elemento, senhor? - quis saber o atarracado ser, tomado de curiosidade.

― Pra que possa entrar em pleno funcionamento, minha magnífica criação precisa de uma enorme quantidade de energia para que possa despertar seu cérebro cibernético! Quantidade essa que só poderá ser fornecida por um raio! Mais especificamente, o relâmpago gerado por uma gigantesca cumulus-nimbus, que a antena receptora, instalada na torre de transmissão no telhado, irá captar e, imediatamente, canalizar para as células de força fotovoltaicas de minha obra-prima!

Com essas palavras, o megalomaníaco pesquisador aciona um comando em seu painel e, imediatamente após, uma imensa antena metálica se estende até o teto do laboratório. Chegando quase a tocá-lo, em seguida, uma claraboia se abre automaticamente, dando-lhe passagem ao telhado da torre da mansão, de onde alcança o céu escuro e tempestuoso.

― Agora, falta muito pouco para a minha experiência ser concluída! E minha criação finalmente adquirir... "vida"!

Realmente, o diabólico Dr. Saithan não precisou esperar muito. No instante seguinte, um raio fulgurante atingiu em cheio a extremidade superior da antena receptora, energizando-a tal qual a bobina de uma usina hidrelétrica. 

Numa fração de segundo, toda a energia captada é direcionada pela extensão da antena até a complexa aparelhagem de armazenamento energético, instalada ao longo de uma parede inteira do laboratório. Sua função é estabilizá-la e, depois, conduzi-la através de cabos de fibra óptica até os receptores elétricos acoplados à "invenção", especialmente preparados para recebê-la, ainda coberta sobre a plataforma em diagonal. 

O circuito, enfim, se fecha. A energia enviada é absorvida. 

O crepitar de faíscas eletrostáticas vai diminuindo pouco a pouco até desaparecer por completo. A experiência havia sido concluída, afinal.

― E então, Dr. Saithan? Suponho que a tentativa foi bem sucedida...?

― É óbvio que sim, Iggor! Meus cálculos foram impecáveis! A experiência foi um completo sucesso! ESTÁ VIVA!!!

Mal terminou de pronunciar essa frase e alguma coisa se mexeu embaixo da lona sobre a qual se encontrava a experiência. Seja lá o que aquela massa amorfa fosse... 

No entanto, alguns segundos depois, uma imponente forma humanoide desvencilhou-se de suas cobertas, inclinando lentamente o tronco para a frente, até ficar ereta e abrir os olhos. 

Para a total surpresa do corcunda, ela nada mais era do que a imagem real de uma forma feminina, de traços suaves, cujo corpo esguio irradiava um halo iridescente e pulsante de puro intelecto vivo, acentuado pela alvura de sua pele intocada.

― Mas, é... "uma mulher", Dr. Saithan! Como ela poderá lhe permitir ascender como o regente supremo da Terra?

― Por que é através dela que darei início a uma nova raça, Iggor. Como o protótipo de minha experiência, você não tem como entender o que isso significa. Apenas, eu, o único sobrevivente da civilização humana, posso compreender seu significado. Exauri todos os meus recursos em sua criação, mas, valeu a pena. Afinal de contas, após a humanidade ter destruído a si mesma por meio do ódio, doenças, intolerância, conflitos bélicos e a degradação incessante da natureza, de que adianta ser o governante de todo o planeta... se não há ninguém para governar?

Mistery StoriesOnde histórias criam vida. Descubra agora