Prólogo

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Luna

Era estranho ser diferente. Quer dizer, haviam campanhas na tevê, ruas, rádios e outros meios de comunicação. Haviam diversas pessoas fazendo protestos contra o bullying, a depressão e a ansiedade, mas a verdade é que metade dessas pessoas não estavam, de fato, se importando com o que defendiam. Às vezes elas faziam suas campanhas por emoção, às vezes por seguirem modinha… Talvez, por consciência pesada, mas na maioria das vezes não era pelos motivos certos. E era por isso que eu adorava ser diferente, desafiando todas as pessoas a me estereotiparem e ao mesmo tempo não me importando com isso.
Eu era a garota que acreditava em mitos e superstições, que não passava por baixo de uma escada ou deixava as sandálias viradas para baixo. Só havia uma coisa que eu não fazia de forma alguma, que era maltratar animais por conta de crenças. De resto, as pessoas já poderiam me chamar de excêntrica que eu não estaria nem aí. Não era como se eu fingisse indiferença, a verdade é que eu de fato, não me importava. 
O engraçado era que as pessoas sempre queriam "me estudar". A garota órfã de vinte anos que morava sozinha em uma pequena casinha e trabalhava como bartender em um pub universitário. A garota loira, que pintava as pontas do cabelo todos os dias de uma cor diferente e tinha piercings e tatuagens bizarras pelo corpo. Eu era, de fato, o assunto principal dos corredores da universidade de Carolina do Norte, sempre que não havia uma fofoca mais "quente". Eu poderia dizer que era exaustivo, mas na verdade eu não me importava. Só estava ali com o único intuito de terminar minha faculdade de jornalismo e me tornar uma escritora renomada em matérias investigativas, assim como o meu pai.

A vida estava perfeitamente normal, como sempre. Eu estava dirigindo o meu Ford Crown Victoria, carro que havia sido de minha mãe, atrasada para a faculdade como também não era nenhuma novidade, ouvindo as melhores músicas dos Beatles quando uma coisa inusitada e diferente aconteceu… Havia um cara na estrada. Parecia completamente irritado ao lado de um carro que eu não identifiquei, porque havia tanta fumaça sobre ele que era impossível ver. O menino usava uma blusa da universidade, percebi imediatamente e então eu parei, bruscamente, no meio da estrada sem me importar, afinal, quase não passavam carros por aquele caminho.

— Oi, quer ajuda aí? — Perguntei, tentando ser prestativa. O garoto levantou os olhos daquela névoa de fumaça por um momento e me encarou, parecendo ainda mais irritado.

— Se você souber consertar a porcaria desse carro, eu quero. — Ele respondeu, um pouco mais irritado do que a etiqueta permitiria. Decidi não julgá-lo. Ele só estava tendo um dia ruim, afinal.

Liguei o carro e dirigi um pouquinho mais para estacioná-lo no acostamento. Desci, abri o porta malas e tirei de lá minha mala de emergências para quando Victoria — meu carro — quebrava, o que infelizmente, acontecia com frequência. 
Cheguei perto do garoto, que ainda tinha o capô levantado e olhava para ele como se fosse seu inimigo pessoal, nem mesmo notando que eu estava ali.

— Okay, o que aconteceu com você, pobre garoto? — Perguntei.

— Eu estava vindo da casa de um amigo e…

— Não, cara. Eu estava falando com o carro. — Respondi rindo. Ele me encarou, dessa vez, prestando atenção em mim.

— Ah, você é a garota da faculdade, não é? Aquela que todos acham que não bate bem…

Qualquer pessoa no meu lugar teria ficado com raiva ou mesmo, dado meia volta e saído dali. Eu, no entanto, apenas revirei os olhos. Era óbvio que eu não gostava de ouvir aquele tipo de coisas, mas não estragaria meu dia por culpa de um metidinho qualquer.

— Bom, melhor você torcer para que eu "bata bem", porque eu é quem vou consertar o seu New Civic. — Disse, decidida. Ele me olhou chocado. — Anda, me dê espaço.

Ele fez o que eu pedi, parecendo um pouco desconfiado, mas afinal só havia eu ali, disposta a ajudá-lo, não era? Olhei atentamente para o motor e todos os componentes do carro, tentando não ficar com os olhos irritados por causa da fumaça e então, entendi a razão do problema. Corri até meu carro e peguei minha garrafinha de água, voltando para lá, abri a bolsa e peguei uma luva e uma chave. Coloquei agua no radiador, mexi em mais algumas peças e rapidamente o motor parou de produzir aquele tanto absurdo de fumaça. Arrisquei tocar nele e estava esfriando. Sorri vitoriosa e olhei para a o garoto, que parecia completamente surpreso.

— Como você fez isso? — Perguntou, chocado.

— Quando se tem um carro dos anos 90, você aprende umas coisas. O radiador do carro estava quase sem água e sem um conservante que pudesse auxiliar ou substituir. Então a válvula termostática superaqueceu. Agora está com água, o motor não está forçando tanto.

— Caralho! — o garoto parecia ainda mais perplexo do que antes e começou a rir. — Quem é você, afinal? 

— A garota da faculdade que não bate bem. Não me agradeça e sim às minhas fadas e duendes.

— Eu não quis ofender você. Me desculpe. — Ele pareceu um pouco constrangido. 

— Ok. Não é como se me incomodasse, de qualquer forma.

— Ainda assim, desculpe. Estava aqui há mais de meia hora, sem saber o que fazer e não passava nenhum carro. Fui um babaca descontando em você. Obrigado mesmo por me ajudar com o carro.

— Não precisa agradecer. — Respondi, dando de ombros. Eu realmente não me importava com o fato de ele ter sido um babaca, todos eram. — Se aceita uma dica, é melhor levar o carro numa oficina o mais rápido possível. Pode ter acontecido mais alguma coisa para o motor ter superaquecido.

— Claro, eu vou fazer isso. Sou Blásio Zabini, a propósito.

— Luna. — respondi dando de ombros. 

— Só Luna?

— Você não precisa do sobrenome. E se quiser, é só perguntar nos corredores da universidade. — disse com um pingo de ironia e sorri para ele, que retribuiu. Não pude deixar de notar o quanto seu sorriso era bonito. Ele também era, afinal. — Bom, Blásio, foi legal te conhecer. Agora eu preciso ir, já estou atrasada. Boa sorte com o carro.

E antes que ele falasse mais alguma coisa, peguei minhas coisas e entrei no carro, dando partida sem nem olhar para trás. Essa era eu. Gentil, mas sob medida. 

Unic - BlunaOnde histórias criam vida. Descubra agora