Prólogo

65 3 0
                                    

Manchester - 1998

Julian sentia o corpo todo tremer. Era o frio e a fome, mas principalmente a fúria que consumia cada parte do seu corpo. Bateu no bolso e sentiu o tilintar de suas últimas moedas: teria o suficiente para fazer uma ligação para casa? Provavelmente só teria tempo de ouvir a voz cansada, mas serena de sua mãe; ou talvez o "olá" alegre de sua irmã, que estaria esperando alguma das amigas do outro lado da linha. Na pior das hipóteses ouviria o murmurar bruto de "residência dos Carlyle" e a respiração baixa e entrecortada de seu pai. A ideia de que seria seu pai a atender o telefone fez um novo calafrio sacudir o corpo de Julian.
Ele manteve a cabeça baixa e, à passos largos, atravessou a avenida.
Ao redor da figura magra, um casaco esportivo fazia seu melhor para cortar o vento gelado. Logo seria inverno. O casaco era velho e puído, e um pouco grande para Julian, mas ele ainda lhe trazia a sensação de lar. Não sua velha casa em Brighton, onde sua mãe, pai e irmãos ainda viviam. Mas aquele lar que tinha sido seu pelos últimos seis anos, e que agora se erguia na distância. Tão imponente como sempre, mas com as portas fechadas e trancadas para ele.
Ele sentiu o pouco calor que o casaco lhe trazia e tentou se apegar a ele. Como uma criança tentando segurar a água, apenas para vê-la escorrer por entre os dedos. Se Julian tentasse comprar um casaco como aquele em uma loja, tinha certeza que lhe custaria tudo aquilo que havia restado e algo mais. Muito mais.
Mas aquele casaco não fora comprado, aquele casaco era dele. Sempre fora. Uma promessa do que poderia ter sido. Nas costas o casaco tinha estampado seu nome e um grande e dourado número 8, seu número da sorte. E sorte era tudo que ele precisava agora.
Ele bateu mais uma vez contra o bolso e o barulho suave de seus últimos centavos fez com que ele se acalmasse um pouco. Talvez, pensou, ainda tivesse o suficiente para um café.
Um café para uma pobre alma com frio, o começo de um filme triste.
Começava a chover levemente em Manchester, uma garoa fina que atravessava pele e músculos e chegava até os ossos como pequenas agulhas. Julian Carlyle levantou o capuz de seu casaco, –a última lembrança de uma vida que a pouco tinha se acabado–, e rumou sul, na direção oposta à sua antiga casa.
Vinte anos, umas poucas moedas, um casaco velho, e um mundo de desilusões.
Teria tempo durante a longa noite para ter pena de si mesmo. Agora, só tinha tempo para um café.

Rescuing Saintland Onde histórias criam vida. Descubra agora