Capítulo 01

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O vento ainda estava frio àquela hora da manhã. O sol tinha nascido havia pouco menos de uma hora e a praia estava quase deserta. Se alguém olhasse para a praia naquele momento veria apenas um garoto, de uns onze anos, agachado sobre a areia. Não havia ninguém olhando, mas se tivesse, teria a impressão de que o menino estava brincando de fazer castelos de areia. Contudo, não se tratava de algo infantil assim.

O garoto, Gustavo, era magro, a pele morena estava arrepiada pelo frio, o cabelo escuro e desgrenhado precisava ser cortado e estava coberto apenas por uma camiseta vermelha fina e um short preto, ambas as peças velhas e um pouco sujas.

Segurando um pedaço de cabo de vassoura, cavava um buraco e ali enfiava a mão, procurando por algo no fundo da areia úmida. Seu olhar para o nada era determinado, perscrutando o invisível em sua cirúrgica tarefa com os dedos; os lábios eram grossos, mas ficavam quase finos de tão apertados. As mãos feridas, por vezes, encontravam o que procuravam, puxavam então o tesouro da areia e o jogavam num velho balde de pedreiro ao seu lado.

Os tesouros da escavação eram pequenos caranguejos de cor clara, entre branco e amarelo, que eram chamados por ali de espera-marés.

Gustavo soltava gemidos de dor quando algum dos pequenos guerreiros de armadura atacava com suas pinças fortes e pontiagudas os dedos, cada vez mais feridos, do menino.

Cansado e com fome, o garoto olhou para o fundo do balde onde viu seus quatro inimigos se agitando. Teria de bastar. Não queria chegar muito tarde à escola e precisava se apressar.

Caminhou pela areia suja, cheia de lixo, entulhos e restos de móveis como se fossem carcaças de grandes animais encalhadas na praia. Subiu de volta para a comunidade da Fumaça.

Entrando na pequena cozinha suja, colocou mais lenha no fogão feito de tijolos velhos e irregulares, então acendeu e atiçou o fogo. Debaixo da pia pegou uma panela toda empretecida de fuligem, a preencheu com água e colocou sobre o fogo. Foi, então, se arrumar para a escola.

Não gostava muito da escola. A maior parte de seus amigos não eram de sua turma e se sentia um tanto deslocado. Mesmo numa comunidade pobre, existem aqueles mais pobres, e ele era um desses, sabia bem disso. Mas a merenda compensava. Comida de verdade que ele não via em casa fazia vários dias.

Depois de arrumado, o que consistiu em trocar o short por uma bermuda jeans igualmente velha e suja e a camiseta por uma camisa branca amarelada com o escudo da prefeitura estampado no peito e o nome da escola do lado esquerdo, voltou para a cozinha escura e enfumaçada. Olhando em volta, restos de caranguejos por todos os lados, as poucas louças todas sujas por cima da pia, pensou em como a mãe brigaria com ele quando chegasse em casa. Por dois dias, desde que ela saíra de casa sem nada dizer, ele havia tentado manter as coisas arrumadas e sem lixo espalhado, mas nos três últimos dias não se importara mais com isso.

A água começou a ferver sobre o fogo e ele, numa última batalha, se vingou dos pequenos guerreiros, colocando-os, um-a-um, na água que borbulhava. Os olhos brilhavam de satisfação.

Espera-Maré (Conto em 4 capítulos - Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora