《0.1》

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Ally perdeu as contas de quantas vezes olhou para o relógio só na última meia hora. Michelle estava atrasada. Fazia mais de duas horas desde que ela ligara para avisar que tinha fechado o bar e que já estava a caminho de casa. Ela costumava fazer o trajeto do bar até a casa em que viviam juntas em pouco menos de quarenta minutos.

Naquele dia, Michelle e Ally estavam completando dez anos de casadas, oficialmente. Haviam almoçado juntas para comemorar, mas Ally tinha planos de fazer uma surpresa para Michelle.

Então, preparou um jantar especial com a comida e o vinho favoritos dela, colocou uma toalha branca na mesa, decorou o ambiente com pétalas de rosas e pôs um vaso no centro da mesa contendo apenas três rosas vermelhas, propositalmente, além espalhar velas por toda a sala de jantar formando um caminho que ia direto para a porta por onde ela entraria.

Quando estava tudo pronto, Ally tomou um banho relaxante e escolheu um vestido que, com certeza, Michelle acharia sensual.

Era bom que ela gostasse, pensou Ally.

Afinal, havia trocado o seu plantão no hospital só para ter a tarde livre para ir ao shopping e ainda ter tempo de preparar aquela noite para elas. Tinha certeza de que ela iria ficar louca de felicidade quando soubesse da novidade que tinha para contar.

Michelle era proprietária do Michelle's Bar, no East Village, em Nova York. Enquanto Ally estava a poucas semanas de concluir a sua especialização em cirurgia materno-fetal no hospital universitário New York Presbyterian. Elas estavam felizes juntas e trabalhavam no que gostavam e, logo, realizariam mais um sonho.

Ally consultou o relógio mais uma vez. Estava começando a ficar preocupada com a demora de Michelle. Pegou o celular que havia deixado sobre o sofá e discou o número dela. A ligação caiu direto na caixa postal. Decidiu deixar um recado.

- Michelle, onde você está? Estou te esperando há um tempão. Você disse que já estava a caminho. Aconteceu alguma coisa? Me liga, está bem? - Desligou e jogou o aparelho novamente em cima do sofá.

Cinco minutos mais tarde, estava cansada de esperar. Foi até a sala de jantar. A comida já havia esfriado fazia tempo e a verdade era que Ally também havia perdido o apetite e o ânimo. Mesmo assim, sentou-se à mesa, serviu-se de uma taça de vinho e ficou ali, perdida em pensamentos. Mas logo lembrou-se de que não podia beber. Droga.

Mais ou menos dois anos antes, Michelle havia decidido que estava na hora de terem um filho. Ally recusou a ideia de imediato, afinal, estava terminando a especialização em cirurgia e obstetrícia e passar por uma gravidez durante essa fase da sua formação não parecia ser uma boa ideia. Michelle não podia engravidar por ser portadora de uma síndrome que a fez nascer sem o útero. Era o que ela havia lhe dito quando tocaram no assunto. Elas conversaram sobre isso e chegaram ao consenso de que aquele não era o momento certo.

Meses depois, Michelle voltou a tocar no assunto. Ally mais uma vez tentou adiar os planos de aumentar a família, pois havia acabado de conseguir uma bolsa para uma especialização em cirurgia materno-fetal, mas Michelle havia sido mais convincente daquela vez, utilizando o argumento de que Ally sempre estaria em um período importante na carreira e que não queria mais esperar para começarem a construir a família que haviam sonhado desde antes de se casarem. Ally, então, deu início ao tratamento e engravidou na primeira tentativa. Mas a gravidez não vingou. Elas tentaram outras duas vezes, sem sucesso. Agora, o jantar que havia passado os últimos dias planejando para lhe contar que tinha feito outro tratamento, que a quarta tentativa de inseminação artificial havia funcionado e que havia esperado que o primeiro trimestre se concluísse para lhe contar que elas seriam mamães havia sido estragado porque Michelle não tinha chegado em casa no horário que havia dito que chegaria.

The SisterOnde histórias criam vida. Descubra agora