Ela continuava olhando encantada para a menina já nos seus braços.
Conferia todos os detalhes daquele rostinho e constatava que era a versão que ainda não andava da garotinha do seu sonho.
Na tarde daquele dia, Maria Clara já sugava o leite materno e a mãe continuava encantada e agora falava sem parar com a filha.
Antes de completar um dia de vida a menina já sabia detalhes de tudo que a rodearia nesse mundão maravilhoso.
Sim, a mãe era bastante efusiva quando empolgada, e esse era o estado que predominava há meses.
Bom, a mãe cuidou de contar tudo, se a menina armazenou tanto conteúdo de uma vez, ninguém arriscava um palpite.
Para desespero da família, médico e enfermeiras ela não parava de falar.
A enfermeira perguntava sobre seu estado e ouvia como Maria Clara mamava bem.
O médico passou pelo quarto, queria saber se o intestino já tinha funcionado e ouviu a reclamação de que não tinham permitido que ela olhasse a fraldinha!
Com um sorriso sem graça e expressão de cansaço, ele explicou que perguntava sobre o funcionamento do intestino dela, da mãe que, afinal tinha passado por uma cirurgia.
Ela não disfarçou o quanto achou estranho o interesse, afinal, o que estava em foco era sua filha, ou não!?
- Não! – responderam ao mesmo tempo o marido e a irmã quando ela fez esse comentário após a saída do médico.
- Sua barriga está inchada, cheia de gases! – a irmã estava brava, ela notou.
- Vai começar a ter dores se não parar de falar. E seu intestino tem que funcionar para evitar isso!
Ela permaneceu quieta alguns segundos e olhando sua barriga teve que admitir que estava um pouco estufada.
Dormiu logo, para alívio geral, mas algumas horas depois acordou com uma forte dor no peito.
Apavorada pedia ajuda ao marido, avisando que estava infartando. Tinha certeza que ia morrer e já chorava pelos filhos que ficariam sem a mãe.
Assustado o pobre saiu correndo pelo hospital agarrando quem conseguisse para que salvasse a mulher.
Por sorte encontrou a enfermeira já conhecida e ela, pegando uma espécie de badeja de remédios, foi imediatamente ao quarto.
Injetou um medicamento na veia e ajudou a "moribunda" a sentar na cama para tomar outro remédio via oral.
Olhando com ar de solidariedade para o marido que a observava assustado, explicou taxativa: Gases!
- Amanhã ela vai caminhar um pouco, falar menos. Por hoje o remédio fará efeito e logo ela estará melhor.
Olhando para a mulher na cama, falou: - Não é coração!
O tom era de censura e sem o menor traço da delicadeza que havia dedicado ao homem.
Assim que a enfermeira deixou o quarto ela exclamou para o marido: remédio milagroso, estou sem dor!
A expressão do marido fez com que ficasse quieta e ajeitando o travesseiro decidiu que era melhor que ele descansasse enquanto ela relembrava detalhes daquele dia maravilhoso.
Na manhã seguinte acordou com o cheiro de erva doce no quarto. Era seu café da manhã; chá e bolachinha sem gosto.
Estendeu a mão para a bandeja do marido mirando a geléia, mas foi impedida por um tapinha na mão e o aviso da enfermeira:
- Nem pensar em doces! Vamos caminhar um pouco no corredor e trate de colocar esses gases pra fora.
Soltar gases no corredor!!? Ela olhou indignada para o marido já falando um – credooo – somente com o movimento dos lábios, mas ele retribuiu com um olhar de "não se atreva" tão enfático que ela preferiu sair logo para o corredor.
Soltando ou não os gases, tinha impressão que não era uma boa hora para qualquer queixa ao marido.
Caminhou devagar e de braços dados com a enfermeira pelos corredores da maternidade.
Muitas pessoas cumprimentavam, chegavam para conversar, mas a enfermeira, colocando o indicador sobre os lábios fechados em sinal de silêncio para que ficasse quieta.
E assim ia explicando a quem chegasse perto que era bom ela não falar, que ela tinha que soltar logo uns puns, pois estava cheia de gases!
Como essa mulher pavorosa podia relacionar a situação dela, que havia gestado e trazido ao mundo aquela coisinha linda a um PUM!?
A indignação fez com ela o que muitos haviam tentado em vão: ficou muda, remoendo a escatologia da bruxa, leia-se enfermeira.
Voltando ao quarto comeu o mamão calada com a enfermeira observando e quando o marido perguntava se estava bem respondia com "uhum".
Outra moça estava no quarto trocando as roupas de cama quando a irmã chegou. Como ela continuasse quieta, estavam preocupados.
Qualquer temor que tivessem, desapareceu logo!
Assim que a moça saiu, ela disparou a contar da enfermeira louca que não deixou ninguém chegar perto dela e ficava falando que ela estava cheia de puns entalados!
Ela, que queria contar da filhinha linda, fofa, doce e a bruxa só falava em GASES!
Terminou quase berrando e chorando, mas foi interrompida pelas risadas da irmã e marido que seguravam a barriga e tombavam no sofá já gargalhando!
O resto do dia foi marcado por uma série de cabeças apontando na porta do quarto querendo saber: "fez pum?"
Outros limitavam-se a fazer cara de indagação colocando o polegar para cima...
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Abafa o Caso- Eu Disse Que Não Era Sonho -
De TodoNão há grandes aventuras ou mistérios, apenas carinho e um tanto de humanidade. Breves histórias da gestação e um pouco da vida de Maria Clara. Espero que tenha uma leitura leve e divertida! Tudo começou com um sonho que ela avisou que não era sonh...