''O guia completo para a percepção cega''

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Como havia imaginado, dentro do invólucro havia uma folha de papel com inscrições nesta. Porém, ao examinar mais cuidadosamente, notei que um de suas laterais apresentava marcas de dano, como se o papel fosse mais longo e tivesse sido rasgado ao meio. Na parte de baixo havia uma numeração e ao topo um título. Não demorei em perceber que se tratava de uma página rasgada de um livro.

Naquele momento minha mente se encheu de perguntas: por que uma página de um livro e não uma carta? O que há de tão importante numa simples página igual à de qualquer livro? Ou ainda a mais importante: por que Crawford me mandaria uma página rasgada de um livro?

Sentei-me na beira da cama, com a folha diretamente por baixo da luz, e comecei a ler o conteúdo da mesma:

-O guia completo para a percepção cega-

É necessário, primeiramente entender a verdadeira natureza da nossa realidade, em que não há um real sentido inerente. Seja a terra, a água ou até mesmo nossa própria carne. A única coisa em que nos devemos basear será a nossa própria percepção do mundo ao nosso redor e o quão errado nós realmente estamos sobre tudo o que conhecemos. Séculos desperdiçados à procura de riqueza e prosperidade, ou a procura do amor e felicidade, quando devíamos estar, na realidade a olhar para dentro, ao invés de para fora das nossas mentes tão jovens. O verdadeiro limite para nossa consciência está longe de ser alcançado e as possibilidades são imensuráveis, tal como os sacrifícios que devem ser feitos para atingir este nível de discernimento. Nossos olhos ainda irão se abrir.

Para deslumbrar a verdadeira realidade, aquela que abriga tais criaturas que eu mencionei anteriormente, a realidade que possui a chave para desvendar os mistérios sobre o oculto e elucidar, finalmente, a verdade sobre as mentiras e ilusões que vivemos, será necessária se livrar, temporariamente, da ferramenta defeituosa que é princípio da sabedoria humana, assim como também é principio de sua ignorância: os olhos.

Nós nos livramos dos olhos quando vamos dormir, por exemplo. Fechamo-los e esquecemo-nos do mundo a nossa volta, apenas para adentrar o mundo dos sonhos, na qual raramente temos memórias. Será necessário o mesmo processo, no entanto, devemos permanecer acordados durante todos os momentos. A chave é permanecer durante tempo suficiente em estado de dormiveglia.

É completamente dependente do individuo aquilo que vem a seguir. Alguns podem encontrar-se num grande êxtase, outros num grande estado de temor e paranoia e outros, estes mais avançados, poderão ter experiências únicas e até então desconhecidas, tal como o abrir das cortinas durante uma peça de teatro, onde finalmente podemos observar o que há além. É, no entanto, necessário muito treino e ainda mais prática para atingir qualquer tipo de realização sobre este estudo.

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Eu estava demasiado confuso e desatento para entender tais palavras em apenas uma leitura, que tanto foram necessárias mais duas releituras até começar a entender a natureza deste excerto.

Logo pude perceber do que se tratava. Era muito possível que em minhas mãos estava uma página de um dos livros sobre ocultismo do meu tio. Mesmo assim, minhas mesmas perguntas ainda perduravam, assim como novas, tal como a da verdadeira razão por detrás disto.

Era óbvio que se tratava da página exata para a instrução de como ''deslumbrar a verdadeira realidade''.

Ao pensar nestas exatas palavras fui atingido por uma nova linha de pensamento, sendo abordado novamente pela minha dualidade.

Por um lado, minha mente se encontrava agora impregnada pela curiosidade e pelo mistério de modo antes nunca visto por mim. Por outro lado, as palavras daqueles a minha volta pairavam sobre minha cabeça e meus pensamentos, como uma névoa densa que impossibilitava a visão mais ao longe: ''um pobre diabo, um suicida, um bêbado, um louco''. Seria isso realmente verdade? Será que novamente minha infantilidade e ingenuidade estavam a me levar no mesmo caminho que ele e caminho este que termina em tal miséria da alma?

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