Capítulo 1 - Vênus

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— Por aqui, conseguimos ver a estátua da Vênus de Milo. — sua voz sempre saía terrivelmente irritante para seus próprios ouvidos por conta do microfone que carregava consigo. Um museu tão famoso e movimentado quanto o do Louvre sempre se fazia necessário o uso de microfones para as visitas guiadas.

Jeon estava parado em frente a estátua. A grande peça de mármore de dois metros de altura conseguia ser tão intimidadora quanto bela, o corpo torcido da deusa envolvido com o pesado manto que parecia escorregar de sua cintura de mármore ao chão e seu rosto sereno nunca conseguiram trazer calma a Wonwoo, pelo contrário, despertavam seus piores sentimentos, pois lhe fazia lembrar de tudo que acontecera a muitíssimos anos atrás.

Esperou o grupo se aproximar antes de continuar sua explicação sobre a estátua. Aquela tinha sido sua rotina pelos últimos três anos como guia turístico no museu francês: começava a rota guiada em mandarim pelo subsolo, passando para o térreo – onde se encontrava no momento, na ala Sully, um local repleto de esculturas "descobertas" por volta do Século XIX – e seguia para os andares superiores. Cada visita pelo enorme museu levava em média quatro horas e apesar de cansativo, Wonwoo adorava aquela vida.

— A escultura foi desenterrada em oito de abril de mil oitocentos e vinte pelo camponês Yorgos Kentrotas, perto da antiga cidade da ilha de Milo, no mar Egeu, que na época era parte do Império Otomano. — continuou sua explicação assim que o grupo de visitantes asiáticos se aproximara, ouvindo atentamente suas palavras. O guia buscava sempre manter o contato visual como tática para prender a atenção dos típicos turistas.

Ao fundo, um grupo de seis jovens parecia mais ocupado em tirar fotos no local do que na história que Wonwoo se preparava para contar, contudo, o guia também não deixou de perceber o jovem alto, que se destacava do grupo ter a pele mais bronzeada que a dos demais. No adesivo colado em seu peito ele conseguiu ler "Mingyu Kim". O garoto se curvava minimamente para sussurrar algo no ouvido do amigo ao lado, que revirou os olhos antes de levantar timidamente a mão, parando as explicações do guia.

— Senhor Jeon, por que a estátua não tem braços? — perguntou o jovem com o colante escrito "Minghao Xu".

— Ah, essa pergunta! — sorriu. Turistas eram sempre tão previsíveis. Grupos diferentes, mas sempre as mesmas perguntas. — Existem muitas lendas para isso, uns dizem que o braço se quebrou quando os franceses roubaram a estátua e não puderam voltar para pegar os pedaços, outros dizem que ela foi feita sem as extremidades propositalmente... Mas a minha preferida é sobre o aprendiz de Alexandre de Antioquia, aquele que dizem ter feito a escultura por encomenda. – comentou – Dizem que esse aprendiz, ao fazer o carregamento da escultura, deixou-a cair, quebrando os braços e o pé esquerdo. — completou, levando todos a olharem para o pé da estátua confirmando a falta do membro.

Observou o garoto que havia feito a pergunta traduzindo tudo que dizia do mandarim para o coreano, assim, passando a mensagem para Mingyu, que acenou e concordou com a cabeça, e como todos ali no grupo, ficou fascinado com a história.

— Não sabia que tínhamos visitantes coreanos. — disse Wonwoo no idioma, sorrindo para o garoto, este que retribuiu timidamente. Seus olhos sendo espremidos por suas bochechas fizeram o coração do guia se acelerar de forma esquisita. Ele desviou o olhar rapidamente, levando sua atenção ao resto do grupo.

— E o que aconteceu com o aprendiz? Imagino que ele tenha sido punido, certo? — perguntou um homem do grupo depois de tirar uma foto dos pés da estátua.

— Ele foi. — respirou fundo antes de continuar, voltando para o mandarim e não perdendo a forma como o amigo traduzia tudo para o garoto coreano — Dizem que além de perder seu emprego, a própria deusa do amor, ofendida com a falta de cuidado do jovem desastrado, o castigou a não envelhecer até que encontrasse sua alma gêmea.

Elos; sobre almas gêmeas e maldiçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora