III - Aparições.

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— O que é isso? — Yashiro sussurrou enquanto esgueirava-se atrás de um muro, no qual Hanako também procurava se esconder. 

— É uma aparição — Mordeu o palito do um pirulito que havia roubado da mochila de Yashiro, balançando negativamente a cabeça. — Um problema, sendo mais específico. Boa parte da cidade 'tá infestada deles.

Um enorme animal negro cruzava a rua, com seu focinho farejando freneticamente tudo o que encontrava. Sua aparência era como a de um canino, mas bem maior que um animal da espécie. Além do tamanho grandioso, sua cabeça flamejava. Para completar com chave de ouro: estava atrás dos dois. 

— O que ele quer conosco? — Gotas de suor geladas desciam pelo rosto amedrontado de Yashiro. 

— Basicamente, ele sentiu o aroma de nossas almas e quer devorá-las a qualquer custo. E, se eu for devorado, por exemplo… — Hanako jogou o palito longe, olhando-a com um sorriso deleitoso. — Desapareço e você virará um peixe para sempre. Eternamente. Eu já disse "para sempre"? — Ele riu. Afinal, sabia que não poderia ser derrotado por uma mera aparição.

Nesses breves segundos, desapercebeu-se do perigo, não prevendo a velocidade absurda que tal aparição tinha. 

— Hanako! — No mesmo momento, a criatura avança nos dois. Yashiro só teve tempo de gritar, antes de fechar seus olhos.

Sentiu um baque e um vento gelado repentinamente soprar em seu rosto. A sensação de ter sua alma devorada era essa mesmo?

— Sério? É a primeira vez em décadas que saio e sou recebido assim? Esperava mais, sinceramente — Hanako disse, entristecendo falsamente seu tom de voz em deboche. 

Yashiro abriu seus olhos, assustando-se instantaneamente. Estava acima das cercas da beirada do terraço de um edifício, no colo de Hanako, bem longe de onde estavam antes. Sentiu seu estômago revirar, abraçando o pescoço dele com força. 

Hanako olhou-a, levemente surpreso pelo ato repentino. Flutuou até uma parte consideravelmente segura e deixou que Yashiro se sentasse lá. 

— Está tudo bem, eu vou resolver isso rapidinho — Afagou os cabelos loiros dela, sussurrando.

Yashiro não pôde negar, sentiu-se bem mais segura com as palavras dele, apesar de ainda estar muito confusa. Desde que saíram juntos do cemitério, hora ou outra ela conseguia ver espíritos. Ou melhor, as tais "aparições". Aliás, Hanako não deveria estar lá dentro? De acordo com algumas histórias de ocultismo que havia lido com Aoi, espíritos não podem sair do lugar onde foram enterrados, certo? Por que haviam tantos vagando pela sua cidade? Por que, usualmente, não era possível vê-los?

Correu até a cerca, procurando por Hanako. Não conseguia vê-lo em canto algum. Então, resolveu entrar no elevador para descer o mais rápido possível daquele prédio estranho, que nunca havia visitado. Sequer imaginava que sua cidade tinha prédios além dos de sua faculdade.

Tocou no botão que a levaria até o térreo, observando os números mudarem lentamente no pequeno painel. Sua cabeça estava uma completa confusão, não conseguia acompanhar coerentemente tudo o que estava vivenciando naqueles últimos minutos. Apertava seus dedos nervosamente, indagando-se mentalmente a respeito de sua decisão em libertar Hanako. Aquilo estava sendo muito mais complicado do que imaginara. Mas, o que ela queria no fim das contas?

Já no quarto andar, o elevador abriu e uma garota entrou. Seus cabelos curtos esverdeados esvoaçavam graciosamente, Yashiro havia achado-a extremamente bonita. Mas, a expressão séria em seu rosto era consideravelmente intimidadora.

Ao perceber que Yashiro fitava-a insistentemente, puxou as mangas de sua blusa cumprida, como se escondesse algo.

Yashiro rapidamente desviou o olhar, até que o painel parasse no número "2" e abrisse suas portas. A garota saiu caminhando e Nene assustou-se com o que viu após ela adentrar no corredor escuro: Alguém estava agarrado em suas costas e olhava-a intensamente. Olhava-a com as pupilas tão dilatadas quanto as de um gato, evidenciando suas orbes douradas, que internamente queimavam como labaredas. E, então, as portas do elevador fecharam.

[...]

— Yashiro, você sumiu! — Hanako parecia cabisbaixo, abraçando-a pelas costas enquanto ela caminhava para a casa. 

— Eu… — Pensou um pouco, olhando para ele. Talvez fosse impressão, mas achou que Hanako parecia realmente curioso para ouvir o que viria a seguir. Respirou fundo, medindo suas palavras. — Hanako, seja franco comigo. 

— Certo? — Ele ergueu uma sobrancelha, em um misto raso de confusão e curiosidade.

— O que fizemos lá, exatamente? — Olhou-o profundamente em seus olhos, referindo-se ao pequeno "ritual de invocação". — E o que seria uma "sacerdotisa"? 

— Ah, claro — Suavizou sua feição, dando um sorriso de canto. — Você foi amaldiçoada e fizemos um contrato para tentar reverter ao máximo os efeitos disso. Não é o que você desejava? 

— Sim! — Yashiro brilhou seus olhos, entusiasmada. Não acreditava que havia sido tão "simples". 

— Porém… — Flutuou até o ouvido dela, dando uma risadinha sádica. — Você vai me fazer alguns "servicinhos" quando eu te chamar, é a sua parte do contrato.

Ao ouvir tais palavras, seu rosto corou intensamente. Todavia, Hanako e ela conheciam-se a pouquíssimo tempo para que tirasse conclusões precipitadas.

— Q-que tipo de serviço? — Tentou disfarçar a vergonha iminente, mas Hanako já havia entendido o "x" da questão ali e resolveu se aproveitar da situação constrangedora. 

— Você tem namorado, Yashiro?  — Seu sorriso sádico não saiu por um segundo sequer de seu rosto.

E, infelizmente, ela entendeu o que ele quis dizer. Balbuciou alguns xingamentos, mas não é como se ele estivesse escutando. Estava ocupado demais olhando ao redor, sentindo um mau presságio.

— Você mora por aqui? — Perguntou, cortando-a antes que pudesse dizer algo mais. A sombra da viseira do quepe de Hanako escondia seus olhos, intensificando sua aura de seriedade. Era bizarra.

— Sim? — Estranhou sua mudança repentina. — Por quê? Tem algum fantasma por aqui também?! — Questionou, escondendo-se atrás dele. 

— Esse é o problema, eu devia ter percebido antes — Respirou fundo, olhando para os apartamentos onde ela morava. — Não há nenhum espírito ou aparição além de mim.

— E isso é bom, né? — Yashiro soltou o ar preso de seus pulmões em um grande suspiro de alívio.

— Nem um pouco — Ele respondeu, observando calmamente ao redor. Recebeu um olhar confuso em resposta. — Exorcistas, Yashiro. Se eu não pude sentir suas auras antes, é porque ainda são jovens. 

Yashiro surpreendeu-se. Desde quando tinha vizinhos exorcistas?

— Desculpe sair sem que nossa noite sequer tenha começado. Juro que irei recompensá-la — Se aproximou de Yashiro, entrelaçando seus dedos. — Me encontre daqui algum tempo, precisamos conversar — Ele cobriu o rosto com seu quepe, desaparecendo assim que ela piscou. 

— Nossa… Noite? — Repetiu, demorando a entender o duplo sentido da frase.

E, quando entendeu, tirou rapidamente as mãos da posição que ele havia deixado, corando novamente. 

— Maldito Hanako! — Gritou, sequer lembrando que era de madrugada, amanhã ainda seria sexta, seus vizinhos estavam dormindo e ela havia solto um demônio sanguinário pelas ruas.

𝑂 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑟𝑎𝑡𝑜 - Hananene fanficOnde histórias criam vida. Descubra agora