Capítulo 2 - Sentidos & Sentimentos

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–Acho que ainda não tem força suficiente para isso, moça. – Olhei para cima e encontrei um sorriso zombeteiro, e cúmplice. – Quer uma mãozinha aí? – Wes se abaixou ao meu lado e tomou o melão de minha mão. Os talos tenros fizeram resistência a ele assim como a mim.

Foi minha vez de soltar um assobio mofador.

Ele me olhou pelo canto dos olhos e depois estreitou o olhar em direção ao melão. Torceu e puxou habilidosamente, retirando o fruto com o talo ainda inteiro, como Jeb gostava. Olhou para mim e seus lábios curvaram triunfantes.

– Acho que minha infância na fazenda finalmente vai ter alguma serventia. – Empurrou-me com o ombro. – Quer que eu te ensine?

– Você deve. – Empurrei-o com o obro e ele cambaleou sobre as hortaliças. – Cuidado aí agricultor! – Eu ri e ele também, levantando-se cauteloso, olhando para os lados. Jeb não gostaria de ver ninguém descuidado com seus melões-cantalupo.

Avançamos até o próximo fruto em ponto de colheita. Wes me mostrou que devia torcer para o lado contrário ao das fibras e puxar com firmeza. Tentei sem sucesso. Então, suas mãos cobriram as minhas, realizando os mesmos movimentos.

Um pouco mais forte do que o necessário.

Caímos sentados, rindo. Maggie não gostou da pequena diversão, passando por nós para deixar algumas garrafas de água, ela nos olhou contrariada. Um fuzilamento de reprovação, sobretudo, para mim. Eu não entendi.


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– Lily... – Ele diz cordial, mas eu não olho. Não é a voz que quero ouvir. – Ei... Não é uma boa ideia ficar aqui. Vamos para o seu quarto.

Ian me põe de pé. Não ofereço resistência, porém, mal consigo me mover, não sou capaz de dar comandos ao meu corpo. Ele me sustenta e cambaleamos para a bifurcação dos quartos, onde há mais luz... E mais olhos. Cheios de pena, curiosidade, preocupação; alguns amigos, outros simplesmente compassivos. Não me importo com eles, não quero pensar neles... Não posso. Sou depositada com cuidado sobre minha cama. Rolo para o canto da parede e me encolho.

– Tome um pouco de água. – Ian afaga meu ombro, pedindo que eu me vire. Bebo a água esperando que ela melhore o nó em minha garganta. O aroma sutil dela me traz lembranças doces que saciam e machucam ao mesmo tempo.


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– E o placar continua assustadoramente discrepante! 3x0! Essa jovem deve estar envergonhada... – A pele oliva dele cintila à pálida luz das lanternas, enquanto ele saltita comemorando infantilmente, com a clara intenção de me provocar.

– Você ainda não ganhou, garotão! – Informei a ele, deixando bem claro que eu não estava brincando. – Estamos apenas aquecendo.

–Ainda assim, eu ganharia. – Ele rebateu, o tom de piada dançante em sua voz. – Mais um gol, Lily?

Eu fui até a fonte buscar a bola, quando voltei depositei-a no chão em frente a Wes. – Mais um gol. – Posicionei-me. Um pé sobre a bola. Ergui o rosto e estreitei o olhar para ele que não me levasse a sério. – Mas vai ter que me alcançar! - Saí em disparada pela quadra, driblando a bola sob meus pés.

– Ei! O juiz não tinha apitado ainda! - Ele veio no meu encalço logo em seguida.

Fiquei atenta aos sons dos passos dele. Wes era rápido. Estava próximo e, claramente, buscava uma oportunidade de retirar a bola do meu domínio. Concentrei-me, o gol estava tão perto. Ergui minha perna atrás para chutar a bola...

– Peguei! – E Wes pôs uma das pernas abaixo da minha que estava erguida, resgatando a bola. – Opa!

Ele pisou na bola e se desequilibrou... E me desequilibrou; fomos de encontro ao chão. De alguma forma, no meio do caminho, Wes nos girou e eu aterrissei por cima dele.

– Muito bem! – Sarcasmo puro e claro. Ergui meu rosto de seu peito e o encarei. Ele estava rindo. "Que surpresa!" – Isso não é futebol americano, Wes!

– Eu sei. Só que foi divertido! – Ele foi do riso à gargalhada. O sorriso, o som... A felicidade de Wes era contagiante. Desfiz minha carranca e me rendi ao riso. Então estávamos gargalhando de nossa situação tão mais alto que o som da fonte de água.

–Uh... Estamos interrompendo algo? – Wes e eu olhamos casualmente para cima. Jamie e Ian nos olhavam, a expressão de surpresa no rosto da criança era menos chocada que a do homem.

– Íamos propor um jogo dois a dois... Mas vocês parecem ocupados. – Jamie disse com um tom serelepe, e Ian cobriu seus olhos num gesto automático. Foi quando minha ficha caiu quanto a impressão errada que a minha postura e a de Wes passava.

–Não, não! Dois a dois parece muito bom. Nós topamos. – Eu disse rolando para o outro lado, afastando-me de Wes constrangida. Com tudo. Jamie tirou a mão de Ian do seu rosto bruscamente, fazendo careta.

Wes concordou com um aceno e permaneceu calado. Levantou-se e me ofereceu uma mão. Eu aceitei e ele me ajudou a ficar de pé, então ele segurou minha mão por um segundo a mais que o necessário.


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Eu permaneço segurando o copo junto a minha boca, absorvendo o aroma. De repente o sal das minhas lágrimas se junta à água que eu bebo demoradamente, absorta. Ian envolve ambas as minhas mãos, esvaziando-as. Ele se senta ao meu lado e põe uma mecha do meu cabelo para trás da orelha, depois ele limpa as minhas lágrimas. Percebo que ele tenta conter as suas próprias. Ele sente falta do amigo. Recosto-me em seu ombro.

– Por quê? – A pergunta ecoa de dentro de mim novamente. – Por que isso aconteceu? Por que ele? – Minha voz falha. Silêncio. Eu suspiro liberando o próximo jorro de lágrimas. – Não é justo! Que mal ele fez? Porque ele teve que... – Meu lamento fica suspenso. Tenho medo das palavras. Lembrá-las machuca.

– Eu não sei, Lily. – Ian tenta dizer com firmeza, mas sua voz vacila. – Eu não sei. Wes era... – Eu me retraio ao ouvir o nome. Arranco minhas mãos das de Ian e cubro os ouvidos. Não me importa a infantilidade do gesto, eu não quero ouvir o nome dele, não quero pensar nele. Ian me abraça, acariciando meu cabelo. Ele afasta minhas mãos, apertando-as nas suas.

– Perdão, Lily... Você tem razão, sabe? Não é justo. – O mundo nunca foi justo. Porque depois de tudo o que aconteceu isso mudaria? Eu me afasto encolhendo, já é quase automático. Abraço meus joelhos, repousando minha cabeça sobre eles, ensopando o pano da saia.

– Está tudo bem, Lily. – Ian acaricia minha cabeça. – Esta tudo bem.

"Não, não está. Nunca mais estará."

Eu estou cansada dessas palavras de otimismo. Wes era sempre positivo e... Isso não se encaixa na realidade.


Notas finais do capítulo:

Bom, a música que usei na header do capítulo tem uma melodia e uma letra que só podem ser definidas como fofas! Então, não resisto ao ouvi-la e lembro logo de como imaginei essa amizade crescente de Wes e Lily, como se ele sempre tivesse tido certeza e ela confusa e intimidada (de um bom jeito, claro). O que acharam?

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