São Paulo2019
Fiquei observando as gotas de água escorrendo pelo vidro do carro. Era acolhedor e me dava uma sensação de que o toque final da minha despedida estava vindo do céu, já que amo a chuva.
Olhei para os meus pais, que conversavam sobre algo aleatório nos bancos da frente. Sabia o quanto o coração deles estava apertado, mas odiavam drama; e eles sabiam o quanto eu era introspectiva. E agradeci mentalmente por me permitirem ficar em silêncio no caminho até o aeroporto.
Eu sempre me senti confortável em estar presente em uma conversa e não participar dela. Nunca consegui definir essa sensação, como a maioria das coisas que sinto. Gostava de observar as pessoas interagindo, rindo, vivendo. É um conforto em estar em um lugar, sem precisar, de fato, estar.
Estávamos muito perto e sentia que meu coração sairia pela boca a qualquer instante. Não conseguia raciocinar direito, e ficava apenas passando músicas no aleatório no Spotify, sem conseguir me concentrar em nenhuma.
É surreal pensar que no dia seguinte irei amanhecer em Londres.
. . .
Engoli um comprimido de dramin quando percebi que não conseguiria dormir.
Sorri e senti um aperto no coração ao lembrar das despedidas que tive durante a semana, do abraço nos meus pais antes de entrar no avião e o quanto era feliz por ter pessoas que se importavam de verdade comigo. E senti orgulho quando pensei na coragem que tive ao bloquear o número do Leo... não queria me sentir triste em um momento tão especial.
Segurei o pingente de rubi vermelho que carregava sempre comigo. Havia ganhado da minha mãe, que o tinha fazia muitos anos mas não usava por não gostar de nada pendurado em seu pescoço. Sabia que era antigo, e eu, que sempre fui saudosa de épocas que não vivi, amava tudo que era vintage e carregava alguma história. Queria muito saber quem havia sido a primeira dona, se havia sido minha avó como minha mãe dissera ou se houve outra antes dela.
Enquanto pensava nisso, adormeci olhando para as luzes de uma cidade desconhecida.
. . .
Quando acordei, já era dia. Pelo monitor à minha frente, vi que faltavam apenas 20 minutos para a chegada. Conti minha empolgação para não passar vergonha com a senhora ao meu lado e ajeitei meus cabelos lisos e desgrenhados. Olhei em um espelho de bolso e vi o quanto estava pálida. Me lembrei das pessoas me dizendo que eu iria me passar por uma nativa facilmente, devido aos traços europeus e a pele extremamente branca. Talvez seja verdade, irei tirar a prova quando começar o curso e as pessoas fizerem suposições sobre minha origem.
Tentei conter o tremor que percorria todo o meu corpo após o pouso. Já havia viajado uma vez de avião com minha família e não tive problemas, mas dessa vez eu não estava indo passar férias na Bahia. Eu estava à quilômetros de casa, na terra da Rainha.
Saí do avião, e me deparei com o imenso aeroporto Heathrow, o mesmo que Freddie Mercury havia trabalhado anos antes. Respirei fundo e segui, olhando tudo à minha volta. As pessoas estavam frenéticas, perdidas em seus destinos, chegadas, encontros e despedidas. A correria e diversidade me lembraram da minha terra natal e senti um conforto em meio ao medo e tensão de estar sozinha. E então as portas de vidro se abriram pra mim e eu me deparei com um aquele lugar imenso e cinzento, que ironicamente pulsava vida.
Não me importei de parecer trouxa, com meu olhar de turista abobada. Olhei em volta rindo nervosamente, tentando processar que eu estava realmente ali. Haviam bandeiras britânicas, lojas, cafés, cadeiras e uma infinidade de universos caminhando apressadamente.
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A flower on the meadow
RomantikKatherine é uma dama vitoriana, infeliz com o molde em que é inserida. Melissa é uma jovem brasileira que vai para a Inglaterra realizar o tão sonhado intercâmbio. Ambas se questionam sobre a vida e sobre o amor, e são mais parecidas do que podem i...