Capítulo 2

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  Do alto da ponte, observando aquela escura e suja água, vi o reflexo turvo da lua – e logo abaixo dela – vi um ponto branco, demorei para perceber que era o meu reflexo, que ficou cada vez mais nítido, conforme eu fixava meu olhos. Respirei fundo todo o ar poluído que havia ali e fechei olhos. Comecei à soltar o ar de vagar, conforme ele se esvaia do meu peito, lembrei-me da minha vida inteira. De cada dor e de cada momento crítico que havia passado.

  Realmente não podia acreditar que tudo que havia acontecido era minha culpa. As consequências da minha vida eram o reflexo das atitudes alheias. Eis-me ali sozinho na beira daquele abismo me perguntando:

"Quando tudo ficou desse jeito? Quando eu comecei a nadar contra a corrente?"

  Um latido interrompeu meus pensamentos me fazendo abrir os olhos e me virar para ver, a poucos metros de mim estava aquele cachorro da lixeira, ele latia como se quisesse me impedir.

– Vá embora! – gritei para espantá-lo.

  Sua resposta foram mais dois latidos, ele correu em minha direção e mordeu a barra da minha calça, começando a puxá-la, dei-lhe um chute que o fez granir e se afastar. Sem pensar nas consequências, eu me atirei para o rio de olhos fechados. A queda foi rápida, me lembro vagamente do ar sendo quebrado em meu rosto, não tive tempo nem de inspirar o ar para dentro dos meus pulmões.

  Rompi a superfície da água com o impacto do meu corpo, o som foi abafado em meus ouvidos. O gélido da água adentrou em meus orifícios, inundou meu corpo por onde haviam meios. Por um instante pude sentir o gosto putrido da água em minha boca. Minhas narinas foram entupidas, causando a ardência aguda próximo aos meus olhos.

  O pouco ar preso em meus pulmões, deixou meus batimentos cardíacos mais agitados, podia sentir cada pulsação do meu corpo. A queda vagarosa ao abismo parecia eterna, o tempo tornou-se irrelevante, assim como meus pensamentos de remorso pelo meu ato.
  
   No escuro senti o medo, porém, jamais tive a sensação da vida em meu corpo, nunca tive a noção da presença do meu subconsciente com tamanho detalhe, como se estivesse tocando as paredes do meu corpo feita de carne.

   A solidão da morte era incômoda, não havia ninguém, a angústia do medo foi causada pela ausência de ajuda. Por um instante, voltei a ser aquela criança medrosa ao ficar só na escuridão do quarto. Meus instintos de sobrevivência assumiram o reflexo do meu corpo, fazendo os movimentos de nado para voltar à superfície, mas eram em vão, estavam lerdos e pesados, como se eu estivesse em um pesadelo onde teria que correr de algo, mas meu corpo não estava me obedecendo.

  Tudo ficou calmo repentinamente, nem se quer me lembrei do que estava acontecendo, a noção da minha existência se perdia em um sono profundo da minha consciência.

Olhe Para Baixo Da Ponte [Conto]Onde histórias criam vida. Descubra agora