Eis-me aqui novamente.
Eu disse que ia voltar, não disse?
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Apesar da proximidade com a Prisão Feminina de Honshu aquela área de Nara era pacata e calma como todo o resto da cidade cheia de templos e artes do século VIII, as pessoas conversavam e mexiam em seus celulares sem se preocupar com a gigantesca construção de concreto cinza que ocupava toda as extensão do lado esquerdo daquela rua estreita. Eijiro percebeu isso assim que saiu do carro de aplicativo e parou em frente ao portão de tinta descascada da penitenciária.
Os cabelos ruivos, amarrados em um rabo de cavalo apertado, balançavam nervosos devido ao vento forte característico de lugares de grande altitude como ali, seus batimentos cardíacos estavam no mesmo ritmo, cantando alto junto com o assobio do ar. O homem estava ansioso por estar ali, não parava de ajeitar os punhos da camisa social preta e alisar o jeans de lavagem escura, também arrumaria os fios se eles ao menos parassem quietos. Ele passou uma hora dentro de um avião, veículo do qual tinha medo, para encontrar Nomura e finalmente tirar a limpo as desavenças dos dois, apesar do medo, não poderia desistir bem ali.
Alguns dias atrás, quando viu uma mulher esguia e de madeixas negras na alfaiataria, se sentiu aliviado por ter sido apenas um momento em que sua percepção do arredor falhou, aquela era uma mulher qualquer, não sua antiga cafetina, porém, quando fora dormir, começou a desejar do fundo de seu âmago que fosse sua algoz naquele estabelecimento, assim poderia ter tirado satisfações e livrado sua alma.
Todas as noites desde aquela tarde tinha o mesmo sonho, relembrava da quase concretização da vingança da mulher, as lembranças fugiam de seu subconsciente e se apresentavam como se ele fosse espectador da própria morte. Assim que o sono se aprofundava a escuridão se transformava em seu antigo apartamento.
Tudo começava com ele sentado no sofá rasgado, a madeira que estruturava o móvel estava aparente após tantos anos de uso, de sua posição conseguia ver todo o imóvel, a cama de solteiro que dividia com a irmã estava com os lençóis embolados em um canto próximo à parede e a armação parecia podre e prestes a ceder com o peso do colchão, o banheiro, com a porta aberta, evidenciava um chuveiro pingante com uma fiação mal feita e claramente perigosa e o vaso sanitário tinha uma crosta preta estranha na cerâmica.
Com o olhar dançando entre os sapatos sociais bem lustrados e sua versão de dezenove anos, Eijiro notava como sua vida tinha mudado em quase uma década, no presente ele morava em um apartamento opulento parecido com o da irmã, mas o garoto ruivo que ele observava revirar a cozinha se esforçava para encontrar algo comestível nos armários bolorentos ou na geladeira que não funcionava. Pela terceira vez naquela semana os irmãos Kirishima passariam a noite sem jantar, Hana ao menos almoçaria na escola, mas o jovem Eijiro sobreviveria com a xícara de café preto de mais cedo.
Em certo momento do sonho o ruivo mais novo desistia de comer e apenas sentava no chão, pondo-se a chorar encostado na parede bege de tinta descascada. Seus soluços eram baixos, mas agonizantes. Há dias ele estava trancafiado ali, com medo de ser assassinado caso saísse, o que implicava em não ter ido ao mercado e nem à escola, sendo que naquele momento estava acontecendo a sua última semana de provas do último ano do ensino médio.
Penalizado com a cena, a versão mais velha, em todas aquelas noites, levantava para confortar o garoto, mas assim que dava o segundo passo a porta soltava das dobradiças e caia no chão com um estrondo, evidenciando que tinha sido arrombada.
Nerumi e uma mulher grandalhona passavam pela entrada com olhares ameaçadores, ambas com cordas nas mãos, sendo que a corda carregada pela mulher de cabelos negros era a mesma que Eijiro tinha usado para esganar os marido desta. Paralisado o ruivo de vinte sete anos assistia sua outra versão tentando fugir pela janela completamente atrapalhado, ele pisava nas panelas e pratos dentro da pia, porém a falta de alimento o debilitava e segundos depois era arrastado pelas pernas até o chão, batendo a cabeça no balcão enquanto era puxado e, por consequência, ficando inconsciente.
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Dança Pra Mim - Hiatus
FanfictionComeçar a trabalhar no Afrodite, um luxuoso clube de strip-tease majoritariamente LGBT, havia sido a melhor escolha da vida de Katsuki. O dinheiro era razoável, os colegas de trabalho respeitosos e ainda encontrara a amizade leal de Shoto e Izuku, t...