Capítulo 2

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O debate dos Magos

Embora tivesse entrado no Salão do Clã inúmeras vezes desde que se graduara, há mais de trinta anos, Lorde Rothen raramente o ouvira ecoar com tantas vozes.
Observou o mar de homens e mulheres de túnica diante de si. Rodas de magos haviam-se formado, e ele reparou nas costumeiras panelinhas e facções. Outros circulavam, deixando um grupo e se juntando a outro. Mãos gesticulavam expressivamente, e uma exclamação ou negação ocasional fazia-se ouvir acima do barulho.
As reuniões eram assuntos costumeiramente dignificados e metódicos, no entanto, até que o Administrador chegasse para organizá-los, os participantes ficavam perambulando pelo centro da sala, conversando. Quando Rothen rumou em direção à multidão, apanhou fragmentos de conversas que pareciam vir do teto. O Salão do Clã ampliava os sons de formas estranhas e inesperadas, especialmente quando as vozes se elevavam.
O efeito não era mágico, como os visitantes não dotados muitas vezes presumiam, mas

resultado involuntário da transformação do edifício em salão. A primeira e mais antiga construção do Clã continha originalmente quartos para alojar os magos e seus aprendizes, bem como espaços destinados a aulas e reuniões. Quatro séculos depois, diante do rápido crescimento do quadro de membros, o Clã ergueu vários novos edifícios. Sem querer demolir a primeira sede, removeu as paredes internas e acrescentou assentos. Desde então, todas as Reuniões do Clã, cerimônias de Admissão e Graduação e Audições foram ali organizadas.
Uma figura alta, vestida com uma túnica púrpura, saiu da multidão e caminhou em direção a Rothen. Reparando na expressão ansiosa do mago mais jovem, Rothen sorriu. Dannyl reclamara mais de uma vez que nada particularmente empolgante acontecia no Clã.
— E então, meu velho amigo. Como isso aconteceu? — perguntou Dannyl.
Rothen cruzou os braços.
— De fato, velho amigo!
— Velho inimigo, então. — Dannyl abanou a mão, em sinal de dispensa. — O que o
Administrador disse?
— Nada. Ele só quis que eu descrevesse o que aconteceu. Parece que sou o único que a viu. — Sorte dela — replicou Dannyl. — Por que os outros tentaram matá-la?
— Não acho que tinham essa intenção.
Um gongo ressoou acima do burburinho de vozes, e a voz amplificada do Administrador do
Clã preencheu o salão.
— Queiram todos os magos tomar os seus lugares, por favor.
Olhando para trás, Rothen viu as imensas portas principais no fundo do salão fecharem-se
de rompante. O aglomerado de túnicas dividiu-se quando os magos começaram a mover-se rumo aos assentos de cada lado da sala. Dannyl acenou com a cabeça para os assentos da frente.
— Temos uma companhia especial hoje.
Rothen seguiu o olhar do amigo. Os Magos Superiores tomavam os respectivos lugares. Para assinalar sua posição e autoridade dentro do Clã, seus assentos eram dispostos em cinco fileiras na frente do salão. Duas escadarias estreitas conduziam a esses assentos elevados. No centro da fila mais alta havia uma cadeira grande ornada de ouro e bordada com o incal do Rei: uma ave noturna estilizada. A cadeira estava vazia, mas os dois assentos que a ladeavam eram ocupados por magos que usavam faixas douradas atadas perto da cintura.
— Os Conselheiros do Rei — murmurou Rothen. — Interessante.
— Sim — replicou Dannyl. — Gostaria de saber se o Rei Merin consideraria esta Reunião importante o suficiente para participar dela.
— Não importante o suficiente para ele vir pessoalmente.
— Claro que não. — Dannyl sorriu. — Daí teríamos de nos comportar.
Rothen encolheu os ombros.
— Não faz diferença, Dannyl. Mesmo se os conselheiros não estivessem aqui, nenhum de
nós diria qualquer coisa que não diria na presença do Rei. Não, eles estão aqui para garantir que façamos mais do que somente falar sobre a garota.
Chegando aos assentos de costume, sentaram-se. Dannyl recostou-se na cadeira e avaliou a sala.
— Tudo isso por causa de uma moleca encardida. Rothen soltou uma risada.

— Ela causou um tumulto, não?
— Fergun não se juntou a nós — Dannyl encolheu os olhos para ver as fileiras do lado oposto —, mas seus seguidores estão aqui.
Embora Rothen não gostasse que seu amigo expressasse, em público, antipatia por outro mago, não conseguiu segurar o riso. As maneiras oficiosas de Fergun não o tornavam benquisto em relação aos demais.
— Pelo que me lembro do relato de Healer, o golpe causou uma confusão e agitação bem grandes. Ele achou prudente receitar um sedativo para Fergun.
Dannyl manifestou um prazer contido.
— Fergun dormindo! Quando perceber que perdeu esta reunião, ficará furioso.
Soou um gongo, e a sala começou a ficar silenciosa.
— Como você deve imaginar, o Administrador Lorlen estava mais frustrado era com o fato
de que Lorde Fergun não poderia dar sua versão dos fatos — acrescentou Rothen, em um sussurro.
Dannyl abafou uma risada. Olhando os Magos Superiores de ponta a ponta, Rothen viu que todos tinham tomado seus lugares. Somente o Administrador Lorlen permanecia em pé, com o gongo em uma mão e o percussor na outra.
A expressão de Lorlen possuía uma gravidade que lhe não era característica. Rothen compreendeu a seriedade da situação ao perceber que esta crise era a primeira que o mago enfrentava desde que fora eleito. Lorlen tinha provado ser capaz de lidar com os problemas cotidianos dentro do Clã, mas devia haver mais do que alguns magos a se perguntar como o Administrador solucionaria tamanha crise.
— Convoquei esta Reunião para que pudéssemos discutir os acontecimentos que ocorreram na Praça Setentrional esta manhã — começou Lorlen. — Temos dois assuntos de alta gravidade para tratar: o assassinato de um inocente e a existência de um mago fora de nosso controle. Para começar, vamos tratar do primeiro e mais grave desses dois assuntos. Apelo a Lorde Rothen como testemunha do acontecimento.
Dannyl olhou admirado para Rothen, depois sorriu.
— É claro. Já se passaram anos desde a última vez que se sentou ali embaixo. Boa sorte. Erguendo-se, Rothen lançou ao amigo um olhar contundente: — Obrigado por me lembrar.
Ficarei bem.
Rostos viravam-se à medida que os magos da assembleia observavam Rothen descer de seu
assento e atravessar o salão para se apresentar aos Magos Superiores. Ele curvou a cabeça para o Administrador. Lorlen acenou com a cabeça em resposta.
— Conte-nos o que testemunhou, Lorde Rothen.
Rothen fez uma pausa para avaliar suas palavras. Quando um falante se dirigia ao Clã, devia ser conciso e evitar frases rebuscadas.
— Quando cheguei à Praça Setentrional esta manhã, encontrei Lorde Fergun já a postos — começou ele. — Tomei posição ao lado dele e acrescentei meu poder ao escudo protetor. Alguns dos vagabundos mais jovens começaram a jogar pedras, mas, como sempre, nós os ignoramos. — Levantando os olhos aos Magos Superiores, Rothen viu que o observavam com atenção. Sufocou uma pontada de nervosismo. Já se passara muito tempo desde que se dirigira ao Clã pela última vez. — Depois, vi de canto de olho um clarão azul e notei uma perturbação no escudo. Vi de relance um objeto vindo na minha direção, mas, antes que eu pudesse reagir,

Clã dos Magos- A Trilogia do Mago negro Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora