Take 03

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-Aí que eu te pergunto meu caro amigo, ela estuda com a gente á anos, mas o que de fato nós sabemos sobre Maria Antônia Tambeline?- Pergunto a  Lucas  que me olha confuso.
-A família dela veio da Argentina e abriram uma horta, não tem muito o que saber. - Se joga na minha cama.
-Certo. - Aponto o indicador para ele. - Mas esse é o problema. A vida de uma pessoa não se resume a se mudar e que tipo de trabalho sua família faz.
- Júlio, se tá querendo dizer que...
-Eu estou dizendo que, nesse angu tem caroço. E, já que ela fez um alvoroço na minha vida, tenho direito de retribuir o favor. - Afirmo.
-Tá, mas como se vai fazer isso?
-Isso não sei, mas pode apostar, Maria Antônia vai comer na minha mão antes das férias.
-Você é doido de mais Júlio, a mina te odeia haha.
-Quer apostar que eu tiro uma com a cara dela?
-Apostar o que se seu pai cancelou o seu cartão e tirou sua mesada? Nem celular você tem. O que mais você tem de preciso? - algo vago passa pela minha cabeça, e com certeza zoar aquela cretina vai valer muito isso.
-Aposto meu canal, mas, se eu ganhar, vou sair com a sua irmã. - Lucas ama tanto a irmã caçula que nem nos deixa visita-lo quando ela está em casa. Seus olhos estão brilhando, ele sempre quis ter um canal, mas toquei em seu ponto fraco. Ele passa a língua no lábio inferior e em seguida cospe na mão, a estendendo para mim, que a aperto.
-Você é nojento Júlio.
-Você é nojento Lucas.

No final da aula do dia seguinte vou até o anfiteatro, que está vazio. Me sento em uma cadeira empoeirada para esperar Maria Antônia. Olho para o teto descoberto, o azul desse céu é tedioso de mais, e olhar para ele faz o tempo passar mais devagar. Reviro os olhos.
No meu relógio de pulso vejo que já fazem quase 40 minutos da hora combinada, nem consigo acreditar que essa sardenta me deu um cano.
Estou quase saindo pela porta quando ouço uma cantoria nos fundos. A voz é melódica e suave, bem baixinha como um sussurro.
-Ele deu um pulinho, tava bem nervosinho o papa-capim! -Me debruço na janela a  procura da cantoria e para minha surpresa, é Maria Antônia a dona da voz doce. Ela está sentada na terra colocando  uma muda no solo, suas mãos  estão  cheias de terra, e a situação  parece diverti-la.
-O menino olhou, quando viu perguntou
O que é isso aqui?
É muita crueldade tirar a liberdade
De um bichinho assim, é o fim! – deixo escapar um pequeno murmúrio e ela se vira, me encarando. Os olhos embargados de surpresa.
-Maconha? – aponto para a planta. 
-Tsc. – ela se vira de novo – Cesar disse que estávamos encarregados do anfiteatro,  mas ele não  especificou se era a parte interna ou externa,  então  vou cuidar do jardim. 
-Pra  eu ter que varrer essa sujeira sozinho? Nem morto. – reviro  os olhos.
- É um traste mesmo . – Maria  se levanta limpando as mãos na calça, ela pega um amarrador  no bolso e prende os cabelos em um rabo. – Vamos começar então. 
Cada um de nós  começa a varrer de um lado, e tudo parece ir bem. Trocamos algumas ofensas de tempos em tempos para quebrar o silêncio, nada muito relevante.  De repente  ouço  um estrondo e corro para ver o que é.
-Caralho. – fico sem reação  ao ver que várias caixas caíram,  esparramado várias coisas no chão  e, em cima da ruiva. Me abaixo para ajudá-la.
- Esbarrei nessas porcarias sem querer. – ela massageia a testa. Levanto-a dali, derrubando mais algumas coisas. Ao por o pé  no chão  ela solta um gemido de dor.
-Você  está bem?
-S-só está doendo um pouco, nada de mais. – ela me empurra para longe, se apoiando na parede. 
-Tudo bem então.  – dou de ombros pegando minha vassoura do chão.   De rabo de olho encaro Maria Antônia que tenta fazer o mesmo.  Porém sem sucesso.  Não  vou mentir que é satisfatório  a ver vulnerável, mas sinto uma pontada de pena, bem lá  no fundo. Largo minha vassoura no chão  voltando até ela. – Vem, vou te ajudar a ir para casa.  Podemos terminar isso aqui outra hora.
- Não quero sua ajuda – sua voz ríspida soa como um insulto.
-E nem  eu quero ajudar, na verdade, é muito conveniente te ver que nem um cachorro machucado. Mas infelizmente estamos  nesse castigo justamente para trabalhar “boa convivência “. Se o César descobrir que você se machucou e eu não  ajudei, vamos ter problemas.
-Como  se eu precisasse da sua ajuda. – ela rosna.
-Escuta aqui, cadelinha, você  deveria tentar ficar calada as vezes, seu latido me incomoda. – retruco pegando sua mochila em um canto e jogando sobre o ombro. -O que está  esperando  aí? Vai mostrar o caminho ou quer que eu te carregue?
- Vai se foder. – Maria Antônia  se apoia na parede até a saída, caminhando com dificuldade. Eu tento ficar próximo enquanto caminhamos, caso ela precise se apoiar em algo. Também  não  vou insistir se ela prefere sofrer.
Saímos da escola e caminhamos por alguns minutos até chegarmos a uma viela.  Nunca havia vindo até  essa parte da cidade. A rua é de tijolos pretos e as casas são  todas de dois andares, com  pequenas sacadas de grades enferrujadas e tintas desgastadas, parecem velhas, como se fossem de outra época. Maria para de repente.
- Eu moro logo ali, agora pode vazar. – ela estende a mão  e entrego a mochila a ela, que volta a andar. Eu fico parado ali, vendo onde vai entrar, mas ela se vira, carrancudo como sempre -Mandei vazar.
Mostro o dedo do meio a ela é dou meia volta, realmente, alguma coisa tem aí.

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⏰ Última atualização: Jul 20, 2020 ⏰

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