Parte II

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Já começava a ficar tarde, e sim, Victoria tinha passado grande parte do dia no estabelecimento de Rafael que, para além de muito simpático, já era quase um amigo. Já lhe tinha contado que não era dali, estava só a passar tempo, e em breve devia ir-se embora. Não tinha muito interesse em conhecer a cidade, estava a adorar cada livro que lia, e já tinha desenhado o dono do café apesar do mesmo ter ficado envergonhado quando a jovem lhe pedira.

Então, sem aviso, e quando Victoria pensava em preparar-se para enfrentar o frio que ainda soprava de vez em quando lá fora, a porta do estabelecimento abriu-se. Talvez a jovem tivesse ficado demasiado tempo enterrada no livro que roubara da estante e os seus olhos a estivessem a enganar, ou talvez o cansaço se estive todo a abater sobre ela de repente, mas a figura que entrara no espaço parecia-lhe familiar. E a confirmação veio depois, com um sorriso a acompanhar.

- És a rapariga da estação de comboios.

- E tu és o músico.

E era mesmo. Com a guitarra às costas, um ar distraído e alheio à realidade, e um casaco grosso a protegê-lo do frio, era o mesmo rapaz que a tinha abordado na estação de comboios umas horas antes, o mesmo músico que acompanhara o início da sua aventura na nova cidade mesmo sem saber.

- Posso? – Questionou o desconhecido apontando para a cadeira à frente da loira, enquanto retirava o casaco – Sou o Noah, já agora.

- Claro. Sou a Victoria – Apresentou-se a britânica enquanto levava a chávena com um resto de café quase frio aos lábios.

- Então, Victoria, o que fazias na estação tão cedo? – Inquiriu animado enquanto pedia uma chávena de café para si próprio. Seria absurdo pensar que aquilo era mais do que uma coincidência?

- Podia perguntar-te a mesma coisa – Rebateu e ele assentiu em reconhecimento enquanto bebia um pouco do seu café – O que é que um músico faz numa estação vazia de madrugada?

E ele riu, como se ela tivesse dito uma piada, e, piscando o olho, retorquiu – Mas a estação não estava vazia, tu estavas lá.

- Engraçado, muito engraçado – A jovem reconheceu com o seu sotaque tão característico de Londres.

- Portanto, não és daqui. Vieste visitar a cidade? Um parente? Talvez namorado? – Noah acabava agora a sua chávena de café e a curiosidade levava-lhe a melhor.

- É o sotaque, não é? – Sorriu quando Noah assentiu, dando-lhe uma confirmação de que o seu sotaque realmente se destacava – Não vim visitar ninguém ou nada em particular. Meti-me no comboio de madrugada e simplesmente vim.

- Sem planos, portanto? E quem é que apanha o comboio tão tarde? Ou cedo nesse caso?

- Na verdade, e surpreendentemente, muita gente. Acho que vim só matar tempo – E ele riu outra vez.

- Normalmente as pessoas ocupam o tempo a ler um livro ou a ver um filme, ou algo do género, mas tu entraste num comboio e vieste para outra cidade?

Noah parecia incrédulo, mas divertido com a situação. Na realidade, a situação até era engraçada, ou então muito estranha, mas depois de inúmeras tentativas, sem sucesso, para adormecer, partir numa aventura não ia magoar ninguém, certo?

Certo, pensava a jovem, mas a questão é que para as pessoas de fora parecia estranho. Só que ela não estava demente, estava só cansada, e aquilo não era uma fuga, mas sim um momento de descanso da azafama de Londres que se lhe impunha no espírito.

Então, e sem reposta possível para dar ao rapaz moreno, Victoria simplesmente encolheu os ombros e decidiu mudar de assunto – E tu és de cá, presumo?

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