- Está tudo bem – Reconfortou Noah, ao sentar-se a seu lado – É só esperares umas horas e depois podes voltar para Londres e continuares a tua vida de onde a paraste.
Mas poderia mesmo? Ou o que a esperava em Londres era demasiado para ela? E se o que a fizera apanhar o comboio naquele dia não fosse apenas a insónia?
Victoria sabia o que teria de enfrentar quando voltasse para Londres, e por muito que quisesse esquecer, sabia que precisava de ir para casa porque não era ali, noutra cidade, com um músico desconhecido, que iria encontrar respostas. Não podia ser.
- Tive uma ideia – Soltou, de repente, Noah – Anda comigo.
E partiram. Deixaram a estação e os horários impossíveis para trás e aventuraram-se pelas ruas da cidade iluminadas. A noite caía devagar, ainda se podiam ver os últimos raios de sol baços a desaparecer lentamente no horizonte, e os candeeiros começavam agora a ser ligados. As ruas enchiam-se de pessoas e a vida noturna começava, agora, a crescer exponencialmente. E era tão bonito e esperançoso ver todas as cores e brilhos que havia para oferecer a quem parasse e tomasse atenção.
- Já entendi que provavelmente não querias ficar tanto tempo aqui – Começou por dizer – Mas pelo menos deixa-me mostrar-te o que estás a perder, e assim tens companhia até à hora da tua viagem.
E por muito que Victoria não quisesse admitir, Noah era uma boa companhia, era engraçado e passava-lhe boas energias. E, por um segundo, Victoria não desejou estar noutro sítio, não desejou estar em Londres a enfrentar o que quer que tivesse deixado para trás, não desejou não ter apanhado o comboio naquela madrugada. Pelo contrário, entregou-se à experiência e permitiu-se viver a sua insónia.
- Aceito. Se, e só se, em algum momento nesta noite tão bonita, tocares algo para mim – Brincou e Noah concordou de imediato.
Depois deixou-se levar enquanto Noah lhe mostrava o quão bonita era a cidade à noite. O sol já tinha desparecido por completo, mas apesar disso o frio já não era tanto. Ainda assim, Victoria mantinha-se encolhida no seu casaco grosso enquanto ficava encantada pelas ruas movimentadas.
Londres era uma cidade tão agitada que era difícil acompanhá-la, apesar de encantadora e cheia de turistas, era também esgotante. Em oposição, ali a agitação era quase a mesma, mas com uma calma difícil de igualar. Os cafés e restaurantes estavam cheios, havia conversas paralelas por todo o lado, a animação era contagiante, mas o sossego que a brisa que assobiava pela rua trazia levava as pessoas para outra dimensão.
- Eu sei que não parece grande coisa, mas este é o melhor cachorro-quente que vais provar – Noah afirmou todo animado, enquanto entregava a comida que acabara de comprar numa rulote de rua à loira.
Concordaram em encontrar algum sítio onde pudessem apreciar o jantar improvisado em sossego, e acabaram por se deitarem na relva meio húmida de um jardim ali perto. Noah conseguia escolher os sítios mais bonitos da cidade que, apesar de não parecerem muito, Victoria estava a adorar desenhar cada um deles no seu diário gráfico. Podia, finalmente, afirmar que havia algo positivo em tudo aquilo. Talvez ter deixado Londres naquela madrugada não tivesse sido a pior decisão que tinha tomado na vida, e ela tinha que tomar algumas.
A conversa já ia longa. Noah, aos poucos, deixava de ser um desconhecido e passava a ser alguém que Victoria até admirava. Afinal o rapaz tinha seguido o caminho da música contra o que os outros acreditavam ser o melhor para ele, não tivera o apoio da família, e apesar de não ter sido excluído de todo, também não era completamente aceite. Isso fizera com que ele começasse a tocar na estação de comboios para ganhar a vida, para ajudar nas despesas e para suportar o seu estilo de vida extremamente simples. Afirmava, até, que podia viver só com a sua guitarra e com o seu amigo de longa data Josh com quem partilhava casa.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Deixar Ir
Short StoryUma artista com insónias e um músico amador. Cada um com a sua realidade, com os seus demónios e com as suas esperanças. Victoria só queria que as suas insónias lhe dessem uma trégua. Noah só queria ser aceite como era. Duas histórias que se cruzam...