Vestígios II

56 14 73
                                    

Policial Nense Walkeer

Ele estava bem no centro do que antes era o altar. Sentado com as costas na parede chamuscada, como se estivesse descansando. De longe dava para ver os desenhos... não me eram estranhos, mas naquele momento não conseguia me lembra da onde eu reconhecia. Ele estava sem camisa e os símbolos foram feitos por toda a extensão do abdômen e peito. Estavam avermelhados por causa do sangue e como o garoto era branco, se destacavam bem...

A porta do elevador abriu, me salvando daquelas lembranças. Dali eu tinha a visão do corredor que levava ao meu apartamento. Caminhei devagar pelo corredor vazio, ouvindo apenas meus passos.

Antes que pudesse abrir a porta, ouvi o miado de Lolita, e automaticamente dei um sorriso. Ela sempre me esperava sentada atrás da porta, atenta a qualquer sinal que revelasse minha presença.

— Sentiu minha falta? — Peguei a gata no colo assim que abri a porta.

Com Lolita nos braços, depositei minha bolsa e chaves sobre a mesa de centro e fui em direção a cozinha buscando o pacote de ração, que ficava guardado no armário acima da pia.

Há anos eu já não tinha disposição para fazer qualquer outra coisa que não incluía: ir para casa tomar um banho quente e dormir. A vida em Standfeel era bem pacata e não tinha muitas opções para diversão e mesmo que tivesse, eu não teria companhia. Nunca fui muito amigável, e meu pai nunca permitiu que eu fosse "influenciada" por outros adolescentes.

Se meu pai estivesse vivo na época em que desisti de seguir o caminho sagrado, provavelmente teria morrido de desgosto.

Assim que encostei no pacote de ração, a gata deu um salto para o chão, miando.

— O que foi? Não quer ração? — Lolita andou até o armário que ficava do lado oposto e começou a se esfregar na madeira — Tá bom, sua mandona — abri uma das portas e peguei o pacotinho de patê.

Também não tinha filhos e nem marido, mas não por falta de tentativas ou por falta de tempo. Eu sempre quis uma família na verdade, porém minha reputação me precede. Quem em sã consciência teria um relacionamento com uma ex freira?

No início até era engraçado, porque eu nem cheguei a me tornar uma freira de verdade. Ainda tinha um longo caminho para isso, mas as pessoas faziam questão do exagero e era como se eu fosse uma santa, proibida de ser tocada por outra pessoa.

Eu me divertia com minha própria imaginação de uma possível fúria Divina. Minha mente criava todo tipo de castigo, desde meteoros que caiam sobre minha casa, até maldições que me transformaria em um cavalo sem cabeça.

Depois as piadas se tornaram cansativas e previsíveis. Com o passar dos anos a única companheira que tive, foi eu mesma.

Mesmo indo contra tudo o que passei anos da minha vida me dedicando, eu estava muito bem para quem "iria ser castigada por Deus". Aos 39 anos, já tinha meu próprio apartamento, meu carro e ocupava um cargo muito importante no departamento de polícia. Finalmente consegui o respeito das pessoas que me julgaram e até mesmo alguns olhares de interesse eu ganhei. Mesmo com a idade, tinha uma aparência bastante juvenil. Por fim, aquela história de que a pele negra não envelhece, era real.

                                     * * *

Por volta das 07:30 (pm) já estava de banho tomado e pronta para voltar a trabalhar. Reuni todos os arquivos que tinha sobre o desaparecimento de Spencer e comecei a reler.

Enquanto lia, minha mente misturava os acontecimentos que eu já sabia, com os detalhes dos depoimentos e dos relatórios da pericia.

As chances de ter sido alguém da cidade  são bem grandes, até porquê em nenhum desses depoimentos foi relatado alguém novo... Provavelmente os crimes foram feitos pela mesma pessoa, talvez alguém que era próximo do casal. Isso explicaria como sabia exatamente o que fazer...

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Aug 02, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

IMPROBRUS ILLEOnde histórias criam vida. Descubra agora