Parte I

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Felipe Rodrigues

Hoje é o meu aniversário, estou completando dezoito anos. Atingi a maioridade, agora preciso alcançar a minha liberdade. E acabar com essa sensação claustrofóbica, como se eu estivesse em uma gaiola de aço.

Ainda estou de olhos fechados, o cheiro de mofo já esta impregnado em meu corpo e não me incomoda mais, não depois de quatro anos, dormindo em um sótão cheio de tralhas e caixas. Desde que cheguei a casa do meu pai, aos quatorze anos, depois da morte de minha mãe, eu durmo neste buraco escuro. Não estou reclamando, ao contrário, eu apenas questiono-me se todos os pais são assim? Espero que não, pois um dia eu serei pai, e farei o impossível para ser o melhor pai do mundo. Coisa que o meu nunca foi e jamais será.

- Abre essa porta, Vagabundo! - Ah... Ninguém merece! Eleonora, minha madrasta maquiavélica.

Mexo-me em meu colchão fino e sujo, abro os olhos e encaro o teto de madeira podre e repito o meu ritual de todas as manhãs. Escovo os meus dentes em uma pia pequena e lavo o meu rosto. Depois converso um pouco com o meu grande amigo. Deus!

"Obrigado senhor, por mais um ano de vida. Deus, peço ao senhor que guie o meu anjo da guarda exatamente até o meu objetivo, não deixe que ele erre o trajeto dos Meus objetivos. Pois eu não aguento mais viver nesse inferno. Desculpe-me não agradecer como eu gostaria, mas a minha carrasca esta quase derrubando a porta. Amém!"

- Bastardo! Abra a porra
desta porta, agora. - Ela é desbocada e a cada dez palavras que saem daquela boca podre, nove são palavras chulas.

Já me acostumei, afinal, são exatos quatro anos que eu vivo nessa família.
Levanto-me do colchão, enrolo-o e encosto ele em uma parede úmida e descascada, caminho até a porta velha de madeira e destranco o trinco que eu coloquei para ter uma pouco de privacidade, pelo menos nesse buraco.

- Bom dia, Eleonora. - Falei ao encará-la.

- Bom dia, só se for para o capeta! O seu pai saiu há horas para trabalhar no botequim e você aí dormindo igual a um lorde. Vai trabalhar vagabundo! - As vezes sinto uma vontade de esganá-la até a morte, mas graças ao meu bom Deus, essa vontade passa.

- Hoje eu não irei trabalhar no botequim do meu pai. Irei á praia com o meu amigo do colégio.

- Você vai á praia? - Ela rompeu o ambiente com sua risada medonha. Encarei-a fixamente, esperando as suas próximas palavras ofensivas.

- Enquanto você comer da minha comida, viver debaixo do meu teto, você fará somente o que eu e o babaca do seu pai determinar. E, hoje seu bastardo, você irá trabalhar até de madrugada no botequim. Ande logo, que eu não suporto olhar para essa tua cara de pobre coitado. - Eu tentei ficar calmo, respirei para me recompor, mas dessa vez não me contive e pela primeira vez desde que cheguei aqui nessa casa, nessa merda de família, eu consegui defender-me e responde-la.

- Eu sou maior de idade e faço o que eu quiser. Não será a senhora que me impedirá de ir até a praia com o meu amigo, para curtir o meu aniversário.

- Só passando por cima do meu cadáver! - Ela esbravejou empurrando-me.

- Tire as suas mãos de mim, Eleonora. - falei com a voz contida para não chamar a atenção da minha irmã adotiva de três aninhos.

- Você é igual a vadia da sua mãe. Chegou aqui como ela, todo tímido e agora esta mostrando as suas asinhas. Teve a quem puxar!

Sim, ela me odeia. Eu sempre soube disso, aliás desde o primeiro dia que eu cheguei aqui ela deixou explicito a sua repulsa em relação a minha existência. Eu até compreendo a sua mágoa, mas eu não sou culpado pelos pecados do meu pai. Eu sou fruto de uma traição. Não sei como tudo isso aconteceu, mas enquanto a minha mãe trabalhava no botequim do meu pai, aos treze anos, ela engravidou dele, que na época era um homem de quarenta anos. Depois que ela descobriu a gravidez foi hostilizada tanto pelo o meu pai, quanto pela a minha madrasta, que a trouxe do interior para trabalhar de empregada doméstica e ajudante no botequim. Eu posso até ter sido fruto de uma traição e ser denominado como bastardo, mas os pecadores aqui foram eles, Eleonora e meu pai. Eles aliciaram e exploraram uma criança de apenas treze anos. Hoje em dia, entendo o que realmente houve entre eles, certamente a coitada e ingênua da minha mãe, foi abusada sexualmente pelo o meu pai que sempre foi acobertado pela esposa, por suas perversidades. Eles a expulsaram sem piedade trajando apenas a roupa do corpo e carregando-me em seu ventre. Sem parentes vivos, ela foi carregada e jogada pela vida para a prostituição. Cresci em um bordel, rodeado de prostitutas de todos os tipos, apesar do ambiente eu tive amor e carinho de minha mãe, que mesmo jovem demais soube me educar e criar-me para ser um homem digno. Assim, que eu nasci a dona do Bordel, a tia Pillar, procurou pelo o meu pai e o obrigou a dar-me um sobrenome, em troca ela não o entregaria a polícia, ele prontamente registrou-me com o medo de ser apontado como pedófilo, e nunca mais procurou por mim. Minha mãe trabalhou anos vendendo o seu corpo, mas infelizmente ela contraiu o vírus da AIDS. E, mesmo com todo o avanço da ciência, ela foi uma vitima letal do HIV. Depois de sua morte muitas coisas aconteceram, a casa onde nós morávamos foi fechada e eu fui encaminhado para um abrigo, onde aguardava a localização do meu pai. Em pouco tempo, a assistente social do abrigo encontrou o meu pai, e a partir daí a minha vida tornou-se um purgatório. Mas, eu creio em Deus, e sei que dias melhores virão, e serei um homem feito e formado como a minha mãe Emanuela fez-me prometer á ela em seu leito de morte. Esse dia chegará!

Te amoOnde histórias criam vida. Descubra agora