O Reflexo

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Dois sanduiches de frango. Eu e minha irmã estávamos comendo tão rápido que tivemos que trocar de roupa...Quando acabamos de nos trocar ouvimos a mamãe nos gritar "Levi! Olivia! Vocês vão se atrasar!"
Então saímos correndo até o ônibus.
No ônibus, vimos Joaquin e Clarisse e fomos correndo abraçar os dois como se não os víssemos a anos, só faltava nós quatro chorarmos no meio do ônibus em movimento....
A gente tem que estudar um pouco mais pra prova de ciências...que aliás eu não estudei nada, vocês tem que me ajudar!- disse o Joaquin, depois todos rimos da cara de bobo dele.
A primeira aula de segunda é de literatura (chato), logo após, dois tempos de educação física (hoje era dia de vôlei, mas isso é coisa de menina, só jogo futebol), e agora o meu tempo favorito: o lanche.  Dou graças a Deus pela diretoria deixar os membros do clube de jornalismo poderem comer cachorro quente com refrigerante (na verdade todos podem, mas nos deixam repetir). Sou o editor chefe do clube, vejo tudo que é postado, e são coisas chatas: "Garoto do sexto ano cai na mesma casca de banana na frente do pátio pela quarta vez, veja!"
Já eu, escrevo sobre entretenimento: Filmes a serem lançados, novidades dos gibis, as VHS mais procuradas... bom, um "trabalho" legal, e uma boa coisa para por debaixo da minha foto do anuário (também torço para ser uma boa foto, o último ano precisa ser terminado com grande estilo).
Enquanto estávamos almoçando no refeitório, deixei derramar um pouco de molho na minha camisa então fui ao banheiro tentar tirar a mancha . Quando eu entrei no banheiro, e já tirando a mancha ,ouvi uma voz gritando no meu ouvido: "OLHE!" . Na mesma hora tomei tamanho susto que caí em uma das cabines. Logo depois ouvi as torneiras se abrirem sozinhas e também vi elas jorrando água ,e as pias não estavam escoando a água, mas sim acumulando.
E a água que estava acumulada estava evaporando de algum jeito que eu não sei, e grudando no espelho, assim o embaçando... Logo depois de um silêncio perturbador, apareceu uma mulher no espelho (uns 31 anos talvez ,pele e cabelos negros e encaracolados),e ela começou a escrever no espelho :
"Ao meio dia faça exatamente o que eu fiz neste banheiro, e chame meu nome, Kytah !"
E depois ela desapareceu, e tudo que restou foi o reflexo do meu rosto perplexo. Então Joaquin apareceu do nada indo diretamente ao mictório dizendo que estava muito apertado, e também disse :
-Nossa, você lavou isso tão rápido que mal deu tempo de eu entrar.
- Como assim? Eu disse ,confuso.
-Cara eu estava bem atrás de você ,não viu?
- Pior que não. eu disse, ainda confuso...
 Após meu horário favorito, chega o meu segundo favorito: história. O professor estava falando sobre a história da Torre de Pisa (Giorgio Vasari, Bonanno, Giovanni di Simone, todos esses nomes que eu sei que não vou me lembrar), e também alguns mitos.
-Há um mito que creio que não esteja em nenhum livro de história... Giovanni e Bonanno são citados como os possíveis arquitetos responsáveis pela construção da Torre, mas... porque? Porque construir a Torre? Para abrigar o sino da Catedral de Pisa, é o que está registrado, certo?
"Certo!" disseram os alunos em uníssono. 
-E como ela acabou tombando para o lado?
-O solo era pantanoso, e como a torre pesava toneladas, forçou o terreno. disse um garoto atrás de mim.
-Alguém prestou atenção na aula...- sorriu satisfeito- MAS... Como pode, dois arquitetos geniais, dois dos melhores da época, pecarem na coisa mas básica em qualquer construção? O solo é a primeira coisa a se verificar. alguém pode me responder?
-Eles não tinham conhecimento geológico; estavam fazendo as pressas- várias respostas, até que eu abri a boca.
-Diz logo a lenda professor!- disse rindo e bocejando
-Calma Levi, hehe... esta lenda diz que uma família rica, a família Rossi, guardava um certo colar dourado, com seis belas pedras cada uma de uma cor. Certa vez, uma das empregadas da Mansão Rossi disse ver a matriarca da família com uma mulher alada, dizia ser um demônio, logo a igreja interviu. Vasculhando o subsolo da mansão acharam objetos exotéricos, livros de encantamentos nunca vistos, pergaminhos sobre outros mundos. A mulher foi acusada de bruxaria de alto nível, mesmo ela insistindo que aquelas coisas eram obra do marido e sua irmã, porém ambos desapareceram com o colar. Dias após, o marido reaparece, coberto por terra, dizendo que sua esposa o jogou no campo para morrer e matou sua irmã, e, dizendo ser um devoto dos dogmas da igreja, deu as preciosas pedras do colar da família como agradecimento por terem acabado com a bruxa, assim, a igreja usou as pedras como decoração. Como não foi definido como as pedras foram usadas, algumas pessoas diziam que foram postas nas paredes internas da Torre, e por ter pertencido á dita bruxa, alguma magia afetou o solo e a estrutura, a fazendo despencar.
-Mas procuraram essas pedras nas paredes?- uma menina a minha frente pergunta.
-Não... por ser apenas uma lenda, e não as das mais populares, nem deram bola. Fora que após esse escândalo a família Rossi se perdeu no tempo... e é com esta lenda que me despeço de vocês!- arrumou os livros na bolsa e saiu de sala. Saí também e esperei pelos outros.
O almoço não teve nada de diferente, macarrão com almôndegas (e claro, eu repeti). Depois de escovarmos os dentes fomos para a aula de artes, Joaquin adora pintar, tem um talento particular com paisagens, já eu? Desenhei um cãozinho desforme vestido como o David Hasselhoff em S.O.S Malibu (a professora disse que sou bem criativo).
Já no horário de saída, eu meio que peguei coragem e disse :
- Ei ,vocês querem ver uma coisa lá em casa?
Clarisse e Joaquin concordaram, mal sabiam eles que eu ia tentar invocar uma mulher dentro do meu banheiro...De repente Olivia me pergunta :
- Oque tem de tão irado lá em casa?
- Você vai ver, eu disse... "Isso é loucura; E se pregaram uma pegadinha em mim ?" eu pensava... Talvez eles me chamem de louco, mas pelo menos vamos jogar vídeo game juntos... Tudo que eu tenho que fazer agora é olhar pro meu reflexo na janela do ônibus e pensar naquela imagem curiosa.
Quando eu e Olivia chegamos ,vimos o Marcus e a mamãe brigando (como de costume), então fomos nos trocar logo. Quando eu desci pra pegar o Joaquin e a Clarisse na porta, não mudou nada, eram as mesmas discussões:
- Você não faz nada em casa , só assiste televisão o dia inteiro, Marcus! disse a minha mãe.
- Você não sabe pelo que eu estou passando Helena, você vive ocupada! disse o Marcus.
E depois era a mesma coisa padrão... era um " eu que pago as contas" ali... outro "Você não sabe fazer nada além disso" aqui, e por aí vai...
Joaquin e Clarisse viram a briga, mas assim como eu, ignoraram e fizeram de conta que era só um sonho ruim.
- Que barra ein cara... disse a Clarisse colocando a mão no meu ombro tentando me acalentar.
- Tudo bem, apesar de tudo eu tenho vocês e a Olivia, e eu também acho que vou morar com meus tios, a casa deles é a três quadras daqui, e bem perto da faculdade de turismo.
- Fica perto da minha casa, podemos nos ver mais!
Só com essa simples frase ela me animou em um piscar de olhos, por isso sempre gostei dela.
Quando entramos no quarto, sentamos em um circulo na cama da Olivia ( que aliás era muito maior e mais confortável  que a minha), e eu comecei a contar do terror que eu tive no banheiro. E então, de repente houve um silêncio no quarto, e depois as risadas de todos os três. Até a Olivia estava rindo de mim...
- Cara você quer mesmo que a gente acredite nisso? Parece uma história de terror que meu tio contaria! disse a Olivia, rindo a ponto de ficar vermelha.
-Mas falso que isso, só as roupas do Elton Jhon. disse o Joaquin.
- Você não pode falar nada das roupas do Elton, você parece um hippie estranho! falou a Clarisse, se insultando por seu ídolo.
- Se diz estilo querida, tá na moda!
- E cabelo lambido por uma cabra, também está na moda?
Quando os dois iam dar uma de lutadores de Street Fighters, eu joguei um dos meus bonecos no meio deles e gritei:
- Chega! Eu tô falando sério sobre a mulher no espelho, e eu posso provar!
- Pois então prove, assim jogamos vídeo game o mais rápido possível... disse a Olivia.
Todos entramos no banheiro, meio desconfortáveis (Clarisse em especial, pois tinha pavor de lugares pequenos ou com muita gente), e então eu comecei a chamar a mulher do espelho no menor tom de voz possível...
"Ele pirou de vez." Disse o Joaquin zoando com a minha cara, junto com as outras duas rindo feito duas hienas.
- Eu não entendi...ela disse pra eu fazer exatamente o que ela fez no banheiro e chamar o nome dela... 
-E oque ela fez no banheiro, senhor médium?  disse a Clarisse num tom zombeteiro.
Então eu me toquei e fiz exatamente oque a mulher fez: liguei as torneiras, tapei as pias, e chamei o nome dela... "Kytah !" eu disse ,morrendo de vergonha.
Então houve um longo silêncio, como se todos os pássaros do bairro estivessem dormindo, e então as luzes do banheiro começaram a piscar, a água da pia começou a evaporar, o espelho ficou embaçado, e eu a vi... a Mulher Do Espelho...
- É um prazer te rever...  ela escreveu.
- Olá! E -esses são meus amigos ,Clarisse e Joaquin... e essa é minha irmã mais velha, Olivia.
Clarisse falou :
- Cara oque foi isso? Tá falando com quem?
- Mas que merda cara, tá falando com seu próprio espelho embaçado? Isso é pegadinha né? disse Joaquin quase fazendo cocô nas calças.
-Levi, o que que foi, fala agora senão eu falo pra mamãe. disse a Olivia cheia de raiva.
- Vocês não estão vendo isso!?  eu perguntei, apavorado.
-Vendo o que cara? É melhor eu chamar sua mãe... disse o Joaquin também apavorado.
-Não! Por favor, olha! Tem uma mulher ali! Vocês não estão vendo?!
- Bicho, você precisa de ajuda, é sério, vamos chamar sua mãe... Clarisse, chama a dona Helena, por favor?
- Ok. disse ela já saindo do banheiro.
Porém quando ela abriu a porta, a Mulher Do Espelho estava lá! Parada em frente a porta! Quando eu olhei pro espelho ela havia sumido!
Clarisse desmaiou de susto, Joaquin socorreu ela, Olivia ficou de prontidão pra dar um soco na cara daquela estranha , e eu fiquei parado olhando pra aquela imagem tenebrosa ( ou nem tanto por que ela era bem bonita) diante de mim... 
- É parente de vocês?
-Não, não é! disse a Olivia quase dando uma voadora na cara da mulher...
Seus olhos eram pretos como a noite, usava um tipo de túnica azul bebê mas com uma espécie de casaco cinza em cima, e também sandálias pretas nos pés.. seus contornos corporais eram esbeltos mas também não é como os das mulheres que eu e o Joaquin víamos nas revistas...
Também não era o tipo "magra", o que eu nem me importei (até por que ela acabou de sair do meu espelho, no meu banheiro, na minha casa, com meus pais em casa, o corpo dela era o que menos me incomodava).
-Vamos pro quarto de vocês! disse ela, indo na frente em silêncio.
Clarisse acordou depois de uns trinta minutos, e quando viu a Mulher quase gritou, sorte que Olivia tapou a boca dela.
Então ela começou a falar:
- Vocês devem estar se perguntando quem sou eu, de onde eu vim, e o que eu quero com vocês"
Todos disseram "Sim!", oque a deixou com um sorrisinho no rosto.
-Bom... Meu nome é Kytah, e sou uma... . bruxa. Eu vim de um lugar bem longe para falar com vocês.
- Oque você quer da gente ? Como assim bruxa? Como você saiu do espelho? Como você entrou no espelho? dissemos eu, Clarisse, Olivia e Joaquin seguidamente.
- Eu não entrei no espelho, eu apenas me projetei no reflexo e no embaçado pra falar com o Levi, mas fiquem tranquilos eu não vou transformar vocês em sapos nem nada.
- Então o que você tá fazendo aqui? gritou a Olivia .
-Me escutem, vocês correm um perigo inimaginável, mas vocês não vão entender, por hora, então por favor cada um fique com um livro.
- Que livros?  perguntou o Joaquin.
- Quando eu sair eles vão chegar... Agora ouçam com muita atenção: caso alguma coisa estranha como a minha chegada lhes acontecer e eu não aparecer, digam  "az-hombrula" e comecem a lutar... entenderam ?
Quando começou a anoitecer ela foi para a janela sem nos explicar mais nada, pulou , e simplesmente desapareceu...
Em um susto, minha mãe entra no quarto dizendo que a mãe da Clarisse e o pai do Joaquin haviam chegado pra buscar eles. Nos despedimos e dizemos um nos ouvidos dos outros, em roda:
-Vocês também estão com os livros? todos perguntaram, assim como todos confirmaram também.
-Amanhã no intervalo vamos falar mais sobre isso, e vamos levar os livros também, ok? disse a Olivia.
-Espera, eu vou ficar com essas coisas na minha cama?! eu disse quase jogando os livros pela janela.
-Ah por favor cara, se nossos pais verem vão desconfiar! implorou o Joaquin.
-Tudo bem... amanhã vamos resolver tudo isso então, ok?
-Ok! todos concordaram .
Quando eu e Olivia entramos em casa mamãe nos mandou pra cama, Olivia me perguntou :
-Ei, onde você colocou livro?
-O livro está na minha mochila... os da Clarisse e do Joaquin também. E o seu?"
-Também. Levi, será que não pegamos a praga inglesa? Talvez estejamos loucos.- disse ela me lembrando da doença que assolou a Inglaterra no ano passado.
Essa praga fazia  com que os enfermos tivessem alucinações, manchas e necrose apareciam no peito e nas pontas dos dedos das mãos e dos pés, alguns remédios os faziam voltar a ficar sãos, mas voltavam ao estado de antes. Todos os infectados morreram, e eram todos jovens, da minha idade, entre 16 e 20 anos. Alguns dizem que é algum assassino em série, outros que foi bruxaria. Eu apenas sei que quando um garoto daqui ficou infectado sabe-se lá como, qualquer sinal de desequilíbrio psicológico ou manchas no corpo eram sinal de preocupação, e razão para estar em quarentena. 
Apesar de ter infectado poucas pessoas (umas quinhentas), e ter durado dois meses, só pelo fato de ter chegado até aqui pôs as autoridades em estado de alerta.
-Acho que o que acontece nos filmes está acontecendo com a gente, na verdade...

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