introdução

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"Senti a minha garganta ser apertada como um nó e queimar violentamente, senti o ar que corria pelos meus pulmões desaparecer. Entre tentativas frustradas de conseguir fazê-lo parar com aquilo, olhei nos seus olhos e percebi o quanto fui tola em pensar que eu poderia mudá-lo."

Antes de nos mudarmos para Derry, eu, meu irmão e meus pais, morávamos em uma cidadezinha de cinco mil habitantes. Todo mundo se conhecia e todo mundo sabia da vida do outro, todos se ajudavam quando preciso, mas nem sempre era assim... essa camaradagem toda, sempre era ofuscada pela falta de privacidade invasiva. Cada passo que eu dava era observado de perto, não dava para fazer algo e esconder dos meus pais, eles sempre descobriam por fofocas.

Minha mãe, fazia parte de um grupo celebre de damas da alta sociedade, ela defendia a ideia de que aquele círculo exclusivo fora formado para auxiliar as mães de família e promover a caridade, mas todos sabíamos que era só um grupo de fofocas. Meu pai, por sua vez, sempre a julgava por sua participação, talvez prevendo que suas ações poderiam ser alvo de comentários cruéis nas reuniões do grupo, hoje em dia penso isso, porque quando a confusão se formou, foi o grupo de damas quem fez questão de à espalhar por toda a cidade.

O ambiente claustrofóbico daquela cidade, onde todos conheciam os detalhes íntimos da vida uns dos outros, me fazia não ter vontade de sair de casa, era muito ruim ir para festas com meus amigos e ter de ficar me preocupando com olhares curiosos, além de que, meus pais vêm de uma família com um nome importante, o que não me impediria muito, pois ele já estava na lama.

Eu estava no meu quarto, deitada na cama, mergulhada na leitura de algumas revistas adolescentes, das quais eu sempre comprava quando voltava da escola, enquanto ouvia na rádio, as envolventes batidas da minha banda preferida, New Kidd and the Block. Meu quarto estava envolto das melodias contagiantes da música, mas logo minha atenção foi roubada por barulhos vindo do andar de baixo. Primeiro pensei que fosse meu irmão, Nate, achei que ele tivesse chamado alguns amigos e que provavelmente eles estavam chapados e fazendo barulho, mas quando desliguei o rádio, percebi que não eram apenas ruídos desconexos, eram os gritos dos meus pais. Não eram gritos de discussão, hoje eu preferiria que fossem, mas sim, uma gritaria desesperada que parecia ecoar pela casa inteira.

Num rápido clique na minha cabeça, eu pulei da cama e corri para o andar de baixo, imaginando a cada passo o que estava acontecendo, imaginei que minha mãe se cortou sem querer, imaginei que ela encontrou as drogas que meu irmão estava usando e surtou, que alguém roubou a casa e eu não percebi..., mas quando cheguei à sala, eu me deparei-me com uma cena que gelou meu sangue, uma cena que não passaria por minha cabeça nem se eu tentasse muito. Meu irmão estava caído no chão, envolto em convulsões, enquanto minha mãe lutava contra as mãos trêmulas, tentando pôr sua cabeça sobre uma almofada do sofá. Eu parei no começo da escada, meu pai estava no outro lado da sala, segurava o telefone com mãos mais trêmulas ainda, articulando frases entrecortadas entre soluços e choros, implorando ao hospital que enviasse uma ambulância o mais rápido possível.

Minha mãe fez sinal para que eu voltasse para o quarto, mas minhas pernas não funcionavam, o som dos gemidos angustiados de meu irmão e o eco desesperado das palavras entrecortadas de meu pai criavam deixavam aquela cena sufocante e causavam o torpor diante da emergência. A incerteza e o medo de perder meu irmão me assustavam.

Quando a ambulância finalmente chegou, meus pais partiram apressadamente para a emergência com meu irmão, e me deixaram sozinha, uma jovem de quinze anos, sozinha na sala de casa, sem saber o que estava acontecendo, sem saber o que aconteceria com seu irmão mais velho. Eu ainda estava no mesmo lugar de quando meu corpo paralisou, escutando o angustiante eco das sirenes da ambulância se afastar. A silêncio retornou a casa novamente, enquanto eu tentava absorver a rápida sucessão de eventos. Algumas horas antes, meu irmão estava na sala, chapado e rindo com os amigos no telefone, estávamos sozinhos enquanto meus pais saíam para jantar, e em um piscar de olhos, ele estava sendo conduzido para a emergência em uma ambulância. Minhas pernas começaram a formigar, meu olhar correu pela sala, ela não estava bagunçada, só havia as coisas ilícitas do meu irmão no chão e a almofada, a bolsa de minha mãe também estava jogada no canto, o ruído distante das sirenes era a única conexão palpável com o que acabara de acontecer. A sala tornou-se um cenário de lembranças turbulentas e eu corri de volta para meu quarto, e liguei o rádio o mais alto que pude, tentando não pensar naquilo, estava tocando Step by Step, os meus pais não voltaram naquela noite, nem pela manhã.

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