O que queremos.

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     Assim que chegamos no local, Day soltou o meu braço e direcionou-se até uma mesa próxima a janela nos dando uma vista ampla da rua. Sinceramente, esperava algo chique, cheio de classe dela por ser estrangeira e muitas das vezes preferiam um lugar mais aconchegante, mas aquele restaurante não tinha nada de diferente ou especial, era apenas o clássico restaurante administrado por uma senhora, as cadeiras eram de metal e a mesa cheia de marca dos dedos gorduroso devido aos prováveis churrascos coreanos servidos.
Deixei a sua mochila na cadeira vazia entre nós dos e olhei ao redor notando algumas pessoas virando suas cabeças sem vergonha alguma em nossa direção, apontando seus dedos e fuxicando. Provavelmente haviam me reconhecido. Minha vida era irrelevante para essas pessoas e o que interessava mesmo era prejudicar os meus pais com fofocas, as notícias sobre mim não passavam de threads no twitter falando que frequentava baladas ou namorava o Haon, como disse, sou apenas o filho rebelde.

— Espero que não tenha esperado um lugar que servem um pedaço de carne e cenoura — ela comentou sorrindo pegando os talheres na gaveta e entregando para nós dois.

— Isso é bem melhor — abri um sorriso ajeitando meu corpo na cadeira — Você continua me surpreendendo, estou adorando isso.

— Caso queira ser meu amigo, prepare-se! Pois sou do tipo que mesmo não estando perto, manda uma surpresa.

— Eu adoraria ser seu amigo, ou até mesmo algo a mais... — falei olhando-a nos olhos, não iria recuar com minhas palavras outra vez.

— Quem sabe... — ela desviou o olhar colocando um cacho atrás da orelha — Vou pedir um Kimchi Jjigae, pois acredito que também esteja de ressaca e duas sprite.

Meu cérebro parou por alguns segundos encarando-a falar, eram apenas uma sopa, mas soavam ainda mais gostosos saindo da boca dela me fazendo salivar.
Acariciei o meu estomago com um pequeno bico nos lábios assistindo-a fazer o pedido, Day parecia próxima da senhora que veio nos atender, e a mesma, ao invés de ir imediatamente preparar o nosso pedido, estava entretida com a conversa da cacheada assim como aquelas senhoras de vizinhança que quando tinha um tempinho livre, se juntavam e colocavam o papo em dia.

— Bom, espero que aproveite a comida, Lee-ssi¹! — a senhora se curvou com um sorriso estampado e saiu.

— Você já veio aqui antes? — Day me pergunta arqueando a sobrancelha.

— Não. — Respondi simples limpando a garganta.

— Hm. Por que a senhora te chamou de forma formal?

— Meus pa- — me interrompi respirando fundo e negando com a cabeça — Tem certeza que não te contei antes?

— Me chame de tudo, mas não diga que tenho uma péssima memória — ela fala sério curvando o seu corpo sobre a mesa encarando bem nos meus olhos — Fale! Desembucha!

— Bom... Meu pai mexe com tecnologia, jogos e essas coisas, é bonito. Minha mãe tem uma empresa de cosmético e participa de um programa de variedades sobre, é bonita... — comecei a explicar brincando com o guardanapo da mesa evitando contato visual.
Mesmo não tendo muita coisa por trás, nada grande para esconder de alguém e muito menos de uma possível nova amizade, não queria envolver interesses nisso, desejava algo verdadeiro e que ela gostasse de minha personalidade e não da influência. Talvez estivesse julgando-a sem conhecer, criando um preconceito com esses pensamentos, mas não seria a primeira vez que alguma garota iria se aproximar por interesse mesmo tendo uma personalidade questionável.

— Apenas isso? — ela pergunta segurando em minha mão olhando-me nos olhos com uma carinha adorável irresistível.

— Yes. — Respondi seco levantando a rosa feito de guardanapo na altura dos seus olhos abrindo um sorriso sem dentes, apenas queria cortar a conversa ali.

— Certo. Desculpa se pareci intrometida — a negra pegou a minha arte com um sorriso enorme nos lábios e prendeu atrás da orelha — Vamos apenas falar sobre nós.

— N-nós?

— Sim! — inclinou novamente o seu corpo apoiando os cotovelos sobre a mesa sorrindo — O que você pretende ser no futuro?

— Não tenho nenhuma profissão em mente... — respondi dando um suspiro longo — Desde que sai do colegial, apenas penso em não ser um fardo, porem continuo sendo um.

— Para os seus pais? Sei como é isso.

— Não minta pra mim! Você parece ser o tipo de quem os pais se orgulham de exibir para as tias chatas.

— Meu irmão mais velho é médico, o mais novo passou na faculdade de administração... Na verdade tem outro vindo ainda esse mês... — Ela fez uma pausa pensativa — Ah, tem eu! Que não trabalho, mas comecei a um ano a jornada de aprender novas línguas com o dinheiro deles e ainda frequento baladas, hora ou outra preciso ligar pra eles implorando por um deposito maior no banco.

— Somos iguais... — tomei um gole d'agua — Mas sem a parte dos irmãos. Sou filho único, o que me faz sentir um peso maior.

— Vamos competir qual dos dois traz mais decepção aos mais velhos? — perguntou cínica com um sorrisinho — Geralmente o problema está em se prender, sabe? Queremos fazer inúmeras coisas, mas no final pensamos tanto na consequência, na opinião alheia e não fazemos.

— Mas se não fazemos nada, continuam falando... — comentei olhando-a retribuindo ao sorrisinho — É como se vivêssemos em um aquário, e por mais enorme que seja há algo bloqueando de ir mais longe e pessoas te assistindo.

— Queria ser um passarinho, crescer no ninho e quando grandinho, viajar por ai espalhando o meu canto — ela comenta olhando o nada, como se seus pensamentos realmente tivessem ido longe.

— Você canta? Porque você já é grande e esta viajando, as asas tens a de um anjo...

Aquelas palavras sairão tão natural da minha boca me fazendo arregalar os olhos repensando no que havia dito a garota. Era apenas um elogio, mas poderia soar como um flerte de um cafajeste, não queria que Day tivesse tais pensamentos, alias, por que me importava tanto com isso? Apenas uma pessoa que conheci na noite passada e me via apegado cada vez mais, talvez obcecado por uma não-exatamente-desconhecida?

— Merda... — sussurrei sem jeito.

Fomos interrompidos pelos nossos pratos prontos, assim poderia ficar de boca cheia e evitar asneiras saindo. O cheiro era maravilhoso e a aparência ainda mais, a senhora que trouxe transmitia uma áurea brilhante, orgulhosa de seu trabalho e por poder alimentar adolescentes famintos. Claro, e ganhar o seu dinheiro.

— Me apresente o seu Aquário. — a cacheada sugere após a senhora se retirar — Posso não saber nadar, mas estou afim de achar um caminho pra você seguir pelo oceano.  

aquarium. - shortficOnde histórias criam vida. Descubra agora